segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O Tesouro Inesgotável: a lição eterna de Lucas 12,32-48

Texel Primestock Spring 2025 by Texel Sheep Society Ltd - Issuu 

Fé firme, vigilância constante

Assistindo recentemente ao seriado Os Mistérios de Grantchester, ambientado na Inglaterra dos anos 1950 e centrado em um padre anglicano envolvido na resolução de mistérios de assassinato, fui cativado pela simplicidade daquela época. Sem internet, sem celulares, pouca televisão e quase nenhum excesso material. Essa realidade distanciada contrasta fortemente com o turbilhão da minha própria vida, marcada por notificações incessantes no celular, intermináveis horas online e uma pilha de livros que jamais conseguirei ler por completo.

Os personagens dessa série pareciam ter tempo e foco para se dedicar a atividades que fortaleciam relacionamentos e vocações, algo que me encantou profundamente. Esse anseio por simplicidade me remeteu ao início do evangelho de Lucas para o domingo: "Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração." Vivemos numa era repleta de distrações, onde tantas coisas clamam por nossa atenção que o foco facilmente se esvai. No trecho de Lucas, Jesus nos chama para priorizar aquilo que nos conduz à vida eterna, uma tarefa que pode parecer desafiadora diante do dinamismo do mundo moderno, mas que permanece fundamental à nossa jornada como cristãos. Ignorar tal chamado pode nos deixar desprevenidos, como o próprio Jesus adverte.

Vivemos em uma era onde a busca desenfreada pelo acúmulo de bens materiais e pela segurança financeira frequentemente guia os passos de muitos, criando um paradigma quase imutável de prioridades. Contudo, as palavras de Jesus no Evangelho de Lucas, capítulo 12, versículos 32 a 48, emergem com uma força transformadora, oferecendo não apenas uma reflexão teológica profunda, mas um chamado à renovação radical da vida. Este trecho não se limita a ensinar preceitos morais; é um mapa para uma existência plena e centrada na confiança em Deus e na prontidão para o advento do Seu Reino.

A leitura deste texto oferece algumas reflexões. Primeiramente, no contexto das palavras de Jesus sobre dinheiro iniciadas em Lucas 12, 22, surge um convite para não temer e acumular tesouros no céu em vez de na terra. Aqui, Lucas não sugere um estilo de vida ascético, mas uma gestão estratégica dos bens materiais. As passagens seguintes evocam os textos do Advento, destacando a importância da preparação e o nosso papel na proclamação das boas novas. Elas despertam expectativa pelo retorno de Cristo, que figura como ponto central da abordagem. Entretanto, é essencial esclarecer dois aspectos.

Em primeiro lugar, o texto não trata de justificação pela fé, mas sim de vocação. Ele não implica em uma troca meritória do tipo "prepare-se e será salvo". É sobre estar pronto para agir quando Deus nos chamar e aproveitar as oportunidades para propagar o Evangelho. Estar alerta é como uma energia potencial que se transforma em ação concreta, produzindo cura, justiça, amor e paz na vida centrada em Cristo.

Em segundo lugar, há a promessa surpreendente de que aqueles preparados para o retorno do Senhor serão servidos por Deus, invertendo o paradigma usual onde somente nós servimos ao Criador. Essa promessa não deve ser vista como recompensa por obras, mas como um fruto inevitável da centralidade de Deus na vida daqueles que respondem ao Seu chamado. Quando nossa vida se re-centraliza em torno d’Ele, encontramos força nas boas novas para superar o medo e avançar em nossa vocação cristã.

Alguns temas foram valiosos para a pregação desse texto. Um deles é o aviso inicial de Jesus: Deus nos deu tudo o que precisamos para vivermos sem medo. Há aqui uma reafirmação da generosidade divina – vida eterna, o Espírito Santo no Batismo e até mesmo o corpo e sangue de Cristo na Comunhão são expressões dessa abundância. Esses gestos revelam claramente o amor transformador de Deus e ecoam Suas promessas eternas, como observado na aliança com Abraão em Gênesis 15.

Outro tema relevante é a reflexão sobre nossas prioridades contemporâneas. Um "Sábado de eletrônicos", momento dedicado ao desligamento total de aparelhos, pode ser uma prática útil para ajudar as pessoas a desacelerarem e focarem nas verdadeiras prioridades da vida. Nesse descanso intencional, podemos reexaminar onde realmente está nosso tesouro e entender melhor os valores que estão moldando nossas escolhas cotidianas.

Por fim, há também a conexão entre vocação e Pentecostes. Este texto reforça a ideia de estarmos prontos não apenas individualmente, mas também como comunidade cristã. Será que estamos preparados para atender às necessidades dos outros? Estamos dispostos a enfrentar questões de paz e justiça social que desafiam nosso mundo? Essas reflexões podem abrir portas para uma compreensão mais profunda da missão coletiva da igreja como parte do plano de Deus.

Esses temas podem dialogar entre si ao longo do artigo, conectando a aliança divina ao convite para priorização, preparação e vocação. E ao finalizar com a reafirmação do cuidado amoroso de Deus conosco, é possível oferecer um lembrete reconfortante: os "tesouros" celestiais nos foram dados para vivermos sem temor perante os desafios da nossa existência cristã.


1. Introdução — O chamado de Cristo aos servos fiéis

No Evangelho de São Lucas, capítulo 12, versículos 32 a 48, Nosso Senhor nos deixa um dos discursos mais exigentes e ao mesmo tempo consoladores de toda a Escritura. Ele começa com palavras que deveriam gravar-se a ferro no coração de todo católico:

“Não temas, pequeno rebanho, porque foi do agrado 

do vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32).

Essa frase extraordinariamente simples esconde uma complexidade teológica rica. O termo "pequeno rebanho" não apenas descreve um grupo numericamente reduzido, mas também alude à fragilidade e vulnerabilidade de uma comunidade que depende completamente da força e da graça do Pai celestial. Historicamente vinculada à imagem do rebanho de Israel conduzido por Deus, essa metáfora adquire nova dimensão no Novo Testamento com Jesus como o Bom Pastor e seus seguidores como suas ovelhas.

A promessa "a vosso Pai agradou dar-vos o Reino" sublinha tanto a soberania divina quanto a generosidade que emana exclusivamente do amor gratuito de Deus. Esse Reino não é conquistado por méritos humanos; é uma dádiva divina que liberta os discípulos da ansiedade e da necessidade de segurança terrena. Trata-se da certeza de que o verdadeiro refúgio e riqueza estão na providência de Deus e na herança celestial que já desponta no presente e será plenamente revelada no futuro.

Imagine uma pequena aldeia de pescadores na Galileia, vivenciando as tempestades do mar e a opressão constante do Império Romano. Enclausurados pelo medo da escassez e da violência cotidiana, eles ouviram Jesus proclamar: "Não temas, pequeno rebanho." Sua mensagem foi como um refresco para almas cansadas, convertendo a insegurança em esperança e substituindo a busca por recursos efêmeros pela busca eterna por Deus. Essa mesma confiança inspirou Abraão a abandonar sua terra em obediência ao chamado divino e fortalece a Igreja diante das adversidades, sustentada pela fidelidade inabalável de Deus às suas promessas.


2. Exegese do texto — versículo por versículo

v. 32 — “Não temas, pequeno rebanho...”

Após convidar os discípulos à confiança no Pai, Jesus desafia paradigmas profundamente arraigados ao ordenar: "Vendei o que tendes e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não envelheçam, tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça corrói. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração." Estas palavras não pregam uma pobreza absoluta para todos, mas sugerem uma reconfiguração interior das prioridades humanas, alinhando-as com os valores do Reino.

O Magistério da Igreja Católica ecoa essa perspectiva ao destacar a importância do desapego como condição essencial para entrar no Reino dos céus. O Catecismo ensina que a avidez por bens materiais jamais preencherá o coração humano e que esse desapego é um instrumento para conquistar uma liberdade interior que permite amar desinteressadamente a Deus e ao próximo. Ao transformar bens terrestres em instrumentos de caridade e partilha, os discípulos vivem uma realidade contraintuitiva — investir nos tesouros celestiais, onde não há risco de falência ou decadência.

O ato de desapego não se trata apenas da renúncia por si só; é parte integrante de um caminho para alcançar riquezas verdadeiras e eternas. Jesus chama seus seguidores a transferirem seus corações dos tesouros temporais para os valores duradouros da fé e do amor. Essa transformação interior não apenas liberta o indivíduo das cadeias do materialismo, mas também amplia sua capacidade de ser plenamente humano ao refletir a justiça e generosidade do próprio Deus

Era uma vez um jovem empresário, admirado por sua trajetória de sucesso e dono de uma fortuna invejável. Apesar das aparências, ele vivia atormentado pela permanente ansiedade de proteger seus investimentos e expandir seus negócios. Num dia qualquer, ouviu as palavras de Jesus sobre o tesouro no céu. Embora tenha se encantado com a beleza da mensagem, achou-a totalmente alheia à lógica do mundo em que vivia — um universo regido por números, metas e ambições.

Tudo começou a mudar durante uma visita inesperada a um orfanato. Lá, ele testemunhou algo que jamais esqueceria: crianças com pouco ou quase nada demonstravam uma alegria genuína, desprovida de condições materiais. Uma delas, em especial, chamou sua atenção ao oferecer-lhe inocentemente seu único brinquedo, com um sorriso radiante no rosto. No instante em que segurou aquele simples gesto de generosidade, algo despertou em seu coração; pela primeira vez, ele percebeu que a verdadeira riqueza não reside naquilo que acumulamos, mas sim no que compartilhamos.

Transformado pelo impacto daquele encontro, decidiu agir. Passou a destinar parte considerável de sua fortuna a projetos sociais e iniciativas de caridade, enriquecendo vidas ao ajudar os mais necessitados. Esses novos investimentos trouxeram a ele um tipo de retorno que o mercado jamais poderia oferecer: uma paz profunda e uma alegria contagiante que superavam qualquer ganho financeiro. Seu coração, preso até então aos cálculos frios das contas bancárias, começou a mirar em algo muito maior — um tesouro eterno, acumulado no céu e protegido de toda destruição.

Essa jornada revelou a ele um segredo poderoso: o desapego não é perda, mas sim libertação. Abrir mão do supérfluo permitiu-lhe viver com propósito, experimentando uma plenitude impossível enquanto refém do materialismo.

Ser católico fiel à doutrina hoje é nadar contra a maré cultural. Isso pode gerar medo, isolamento e até perseguição. Cristo nos garante: não estamos sozinhos; o Reino é dom do Pai.


v. 33 — “Vendei o que possuís e dai esmola...”

Aqui Jesus une desapego material e caridade concreta. Ele não fala apenas de desprender-se, mas de usar os bens em favor do próximo, acumulando tesouros no Céu.

Santo Agostinho comenta que “a esmola é uma forma de converter riquezas corruptíveis em méritos eternos” (Sermão 39).

São Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II-II, q. 32), ensina que a esmola não é opcional, mas obrigação moral para quem tem mais do que necessita.

Em tempos de consumismo e vaidade, dar esmola não é só transferir dinheiro, mas dedicar tempo, atenção e recursos aos necessitados. É combater o egoísmo que o mundo alimenta.


v. 35-36 — “Estejam cingidos os vossos rins e acesas as lâmpadas...”

Sob este espírito transformador, podemos compreender outra valiosa lição transmitida por Jesus acerca da vigilância e prontidão. “Cintos apertados” e “lâmpadas acesas” se tornam metáforas vibrantes para uma postura ativa diante da fé. Nos tempos bíblicos, cingir os lombos simbolizava sair do estado de inércia e preparar-se para o movimento — fosse puxar o arado ou iniciar uma longa jornada. Já as lâmpadas acesas representavam resistência contra as trevas e uma espera repleta de perseverança.

Jesus narra uma parábola que ilustra bem esse estado de atenção: os servos fiéis aguardam o retorno do senhor das bodas, prontos para recebê-lo de imediato. A recompensa dos servos vigilantes é transformadora — eles experimentam uma inversão radical onde o senhor se torna servidor, refletindo a generosa natureza divina e prenunciando a festa escatológica no Reino dos Céus. Esse cenário não apenas exalta os valores do serviço e da dedicação, mas também reforça a imprevisibilidade da chegada do Filho do Homem, descrita como o vir inesperado do ladrão.

Aqui, não há lugar para medo ou paranoia. Ao contrário, trata-se de um estado de alerta marcado pelo amor: preparar-se com alegria para o encontro com aquele que amamos profundamente. A fé cristã é assim vivida na tensão do “já” e “ainda não” do Reino de Deus — desfrutando da presença viva enquanto ansiamos por sua plenitude futura. A vigilância constante torna-se expressão da esperança e da caridade que preparam nossos corações para o Advento.

Um exemplo vivo desse ensinamento pode ser encontrado nos gestos simples de Dona Maria, uma idosa dedicada, bem conhecida por seus vizinhos em sua pequena vila. Costumavam vê-la no anoitecer varrendo a calçada ou regando flores já tarde da noite. Intrigados pela sua rotina delicada e meticulosa, alguns perguntavam: “Por que tanto cuidado?” A resposta sempre vinha com seu sorriso tranquilo: “Meu Senhor pode chegar a qualquer momento, e eu quero estar pronta para recebê-lo com tudo em ordem — a casa limpa e o coração cheio de festa.”

Dona Maria não carregava o peso da espera como um fardo ou obrigação; ela vivia essa expectativa como uma celebração. Sua vida era um testemunho diário de amor ao Mestre, refletido em ações simples e gestos generosos que tocavam os mais necessitados. Investindo em oração e boas obras, ela mantinha sua lâmpada acesa — pronta para o grande momento em que as portas se abririam e Jesus a convidaria para o banquete eterno.

A história dela ecoa o chamado universal da vigilância: viver com propósito, cultivar virtudes e preparar-se com alegria para o inevitável encontro com o divino. Afinal, é na leveza desse desapego que encontramos verdadeira liberdade.

A linguagem é típica da vigilância pascal: cingir os rins é estar pronto para caminhar; lâmpadas acesas remetem à vigilância das virgens prudentes (Mt 25,1-13).

São Gregório Magno ensina que “cingir os rins” significa controlar os desejos carnais, e manter “as lâmpadas acesas” significa praticar boas obras constantemente.

É manter disciplina espiritual (oração, confissão, Missa, penitência) e testemunho público da fé. Católico desligado da vida sacramental vive às escuras.


v. 37-38 — O Senhor serve os servos

Uma das passagens mais surpreendentes: Cristo, o Senhor, servirá aqueles que forem encontrados vigilantes. É a antecipação da Última Ceia e da Eucaristia.

São João Crisóstomo nota que aqui se vê a humildade divina: “O Senhor não se envergonha de servir aos Seus servos, porque o amor é a Sua glória.”

Todo fiel que vive sua fé de modo concreto experimenta já nesta vida o serviço de Cristo por meio da graça — na Confissão, na Eucaristia, na direção espiritual.


v. 39-40 — O ladrão e a hora inesperada

O retorno de Cristo é comparado à chegada de um ladrão. É uma imagem dura, mas clara: não haverá aviso prévio.

A morte chega sem agenda marcada. Adiar conversão, sacramentos ou reconciliação é agir como insensato.


v. 41-48 — O servo fiel e o servo infiel

O servo infiel, em contraste com o fiel, é marcado pela presunção e falta de disciplina. Ele abusa da autoridade que lhe foi concedida, trata os outros servos com desdém e se entrega a prazeres mundanos, acreditando que o retorno do Senhor está distante. A consequência para esse comportamento é severa e emblemática: ele será “cortado em pedaços” e terá seu destino entre os infiéis. Apesar de sua dureza, essa imagem ressalta a gravidade da responsabilidade e as repercussões da infidelidade.

Esse trecho nos ensina que a mordomia cristã vai muito além dos aspectos materiais. Ela abrange o uso do tempo, dos talentos e das oportunidades que Deus nos concede como um ato de administração responsável. Tudo o que temos vem de Deus, e a Ele deve retornar. Assim, somos chamados a gerenciar com sabedoria os dons que nos foram confiados, reconhecendo a origem divina de todas as coisas.

Na sequência, a parábola introduz um princípio essencial da justiça divina: a responsabilidade proporcional aos dons e conhecimentos recebidos.

“A qualquer que muito for dado, muito será exigido; 

e a quem muito foi confiado, mais ainda será pedido.”

Esse ensinamento sublinha a seriedade do conhecimento da vontade de Deus. Aqueles que têm ciência do que Ele pede e os meios para cumprir sua missão enfrentam um julgamento mais rigoroso do que aqueles que pecam por ignorância. Isso reforça a importância de formar uma consciência iluminada pelo estudo da Palavra de Deus e pelos ensinamentos da Igreja, pois com o conhecimento vem uma responsabilidade maior.

A prestação de contas diante de Deus é algo inescapável, e cada um de nós será avaliado por como utilizou os dons confiados. Um exemplo prático disso é a história de José, um líder carismático em sua comunidade. Dotado de talentos como a eloquência e uma habilidade notável para organizar pessoas, José começou sua trajetória usando esses dons para o bem comum: promovendo eventos de caridade e ajudando os necessitados. No entanto, o reconhecimento público e o sucesso pessoal gradualmente corroeram suas intenções. Ele passou a buscar benefícios próprios, negligenciando os mais vulneráveis e ansiando pelo aplauso dos homens. Convencido de que suas habilidades seriam suficientes para compensar suas falhas, José acabou perdendo a confiança da comunidade. Sua queda é uma lembrança vívida de que nenhuma dádiva divina deve ser tratada de forma leviana – “a quem muito foi dado, muito será exigido.”

Essa história nos leva a uma reflexão urgente: estamos realmente usando nossos dons para edificar o Reino de Deus ou permitimos que o egoísmo e a indolência ditam nosso caminho? Estamos vigilantes diante da iminência do Senhor ou sucumbimos à complacência?

Santo Agostinho adverte que esta passagem vale especialmente para pastores e líderes da Igreja, mas também para todo batizado que conhece a fé e não a vive.

Quanto mais formação, sacramentos e oportunidades Deus nos dá, maior a nossa responsabilidade. Conhecimento sem prática vira condenação.


3. Patrística e Escolástica — o eco da Tradição

A Patrística vê neste texto três virtudes principais:

  1. Fé confiante (contra o medo)
  2. Vigilância constante (contra a preguiça espiritual)
  3. Caridade ativa (contra o egoísmo)

A Escolástica, especialmente em Santo Tomás, destaca a ordem dessas virtudes:

  • A fé sustenta a vigilância;
  • A vigilância leva à perseverança;
  • A perseverança frutifica em caridade.

Para a Tradição, fé e caridade não se opõem: a verdadeira fé é operante (fides formata), e a caridade sem fé é apenas filantropia.


4. Santos que viveram esta vigilância

  • São Felipe Neri — sempre alegre e pronto, dizia: “Filhos, vamos para o paraíso!”. Não pregava medo, mas esperança e prontidão.
  • Santa Teresa de Calcutá — vivia com as “lâmpadas acesas” cuidando dos mais pobres, reconhecendo neles o Cristo que viria “como ladrão”.
  • São Pio de Pietrelcina — passava horas no confessionário, pronto para receber cada alma como se fosse o próprio Senhor.

5. Aplicações práticas para hoje

1. Vida sacramental regular — Confissão frequente, Missa dominical e, se possível, diária.

2.Oração diária estruturada — pelo menos 15 a 30 minutos de oração mental, além do Rosário.

3.Jejum e penitência — não apenas na Quaresma, mas como hábito semanal.

4.Caridade concreta — ajudar material e espiritualmente os necessitados.

5.Formação contínua — estudo da doutrina, leitura espiritual, meditação bíblica.

6.Corte de distrações — limitar redes sociais e entretenimento fútil que rouba tempo e atenção de Deus.


6. Conclusão — “Vigiai, pois...”

Lucas 12,32-48 é um choque contra a apatia espiritual. O “pequeno rebanho” de Cristo não se define pelo número, mas pela fidelidade. O Pai nos oferece o Reino, mas cabe a nós mantermos as lâmpadas acesas até que o Senhor volte — seja no fim dos tempos, seja na hora da nossa morte.

“Feliz aquele servo a quem o Senhor, quando vier, encontrar assim fazendo” (Lc 12,43).

É, especialmente, um convite atemporal ao radicalismo (criar raízes profundas) no seguimento de Cristo. As palavras de Jesus continuam incrivelmente pertinentes mesmo dois milênios depois, desafiando-nos a reavaliar nossas prioridades e abandonar as ilusórias seguranças terrenas em prol do tesouro eterno no Reino dos Céus.

A mensagem central deste evangelho é clara e cativante: viver como discípulos exige confiança, prontidão e senso de responsabilidade. Jesus nos chama a ser aquele “pequeno rebanho” que encontra força na segurança do amor providente de Deus Pai. É essa confiança que dissipa o medo e abre espaço para uma vida repleta de generosidade. No desapego dos bens materiais, investimos em uma riqueza incorruptível que nenhuma traça consome nem ladrão rouba.

A vigilância mencionada por Cristo não se resume à espera ansiosa; é uma prontidão ativa e contínua. É saber viver cada dia com uma perspectiva eterna, cultivando virtudes, praticando caridade e mantendo “as lâmpadas acesas” e “os cintos apertados.” Tal postura se reflete na administração zelosa dos dons recebidos – nosso tempo, nossas habilidades e nossos recursos – sempre lembrando que tudo isso pertence ao Senhor.

Os ensinamentos das Escrituras e a Tradição da Igreja reforçam esses princípios como guias seguros para quem deseja transformar sua vida espiritualmente. Eles nos alertam: maiores responsabilidades vêm com maiores privilégios. O caminho do discipulado exige coragem, mas conduz à autêntica liberdade, à paz interior e à realização plena.

Que o ensinamento de Lucas 12, 32-48 nos motive a um compromisso constante com a conversão, alimentando uma confiança plena em Deus, um desapego profundo, uma vigilância permanente e uma mordomia dedicada. Que possamos, dia após dia, colocar o Reino de Deus como prioridade em nossas vidas, conscientes de que ao agir assim, nosso coração estará ligado ao verdadeiro tesouro, e estaremos preparados para participar do banquete eterno na presença do nosso Senhor.

E, não se trata de viver com medo, mas com amor vigilante. Hoje, agora, é hora de começar — como sempre foi, e como sempre será.