POR QUE DEIXEI O PROTESTANTISMO PARA TRÁS PARA ME TORNAR UM CATÓLICO
Tendo sido salvo do
ateísmo para o cristianismo quando jovem, Tony Wilson passou 30 anos na Igreja
evangélica antes de se converter ao catolicismo. Ele nos descreve sua extraordinária
jornada.
É o Sábado Santo de 2019, uma
multidão se reúne em torno de uma fogueira acesa, do lado de fora de uma Igreja
Católica Apostólica no sudeste de Londres. No interior, com o edifício mal
iluminado por velas, toda a história da salvação é contada a partir do Antigo
Testamento.
Ao chegar à história do Evangelho,
a Igreja é inundada de luz e os sinos tocam. Estou de pé na frente, com um
xale branco sobre o ombro, marcando-me como um neófito prestes a ser
confirmado. Não é onde eu esperava me encontrar; uma viagem que nunca
pretendi fazer.
Tudo começou em 1988,
quando me formei em física. Deus usou a beleza da matemática – e um bom
amigo – para me empurrar do ateísmo para o cristianismo protestante. Seguiram-se
trinta anos de aprofundamento da minha amizade com Jesus, junto com o amor pela
Bíblia, teologia e estar entre o povo de Deus.
Tornar-me um católico
nunca significou me afastar das muitas coisas boas que Deus fez por mim por
meio do protestantismo. Sou profundamente grato por cada passo da
jornada. Mas minha escolha de fazer uma mudança tão radical, implica que
algo precisava ser consertado. E, como todos os bons eventos da vida, este
envolveu mente, corpo e espírito.
MENTE
Eu já havia começado a
explorar o catolicismo quando minha esposa e eu nos juntamos a uma igreja não
denominacional em Londres. Fazer parte de uma rede de igrejas locais com
visão, grandes líderes e um forte senso de missão foi emocionante.
Entramos em um período de
um ano de discernimento, se aquele era o lugar certo para estarmos. Muitos
aspectos estavam certos, mas a igreja era mais calvinista do que estávamos
acostumados, e isso resultou em uma tensão em minha mente.
Sempre gostei de dizer,
que nossas várias denominações cristãs, tinham mais em comum do que aquilo que
nos dividia. Nós praticamente concordamos com os postos-chaves, afirmei,
com apenas questões secundárias em disputa. Mas esse princípio começou a
se desconstruir para mim.
As igrejas calvinistas
fazem fortes afirmações sobre a natureza da salvação, por exemplo, o que tem
profundas implicações. Certamente o meio pelo qual Jesus salva não é uma
questão secundária.
Os evangélicos ensinam que
o 'significado' das escrituras é claro para todos os crentes, mas, se isso for
verdade, por que cristãos sinceros, inteligentes e fiéis chegam a conclusões
tão diferentes?
Comecei a perguntar se era
assim que as coisas aconteciam ou se Jesus pretendia nos unir sob uma
autoridade única e confiável na Igreja Católica Apostólica. Se esse último
tipo de unidade era sua intenção, então minha busca por autoridade deveria vir
com um senso claro, de urgência.
Isso significaria que algumas
denominações, senão todas, estavam se afastando de posições doutrinárias
mantidas por milênios.
São Paulo instruiu Timóteo
a transmitir tudo o que o ouviu ensinar a outras pessoas fiéis, (2 Timóteo 2, 2). Timóteo
viajou com Paulo e certamente teria ouvido cem vezes mais do que escreveu.
E, São Paulo exigiu que
essa tradição oral, fizesse parte de seu legado à Igreja. Timóteo tinha as
Cartas escritas de Paulo e sua própria exposição delas.
Que privilégio! Se os
líderes da Igreja, que vieram imediatamente depois dos apóstolos, tiveram o
benefício de entender os Evangelhos e as Epístolas, ao ouvir os autores
pregá-los, não deveríamos esperar encontrar a interpretação mais precisa da
Bíblia, se olharmos para o que eles deixaram para trás?
Felizmente, existem muitos
escritos dos primeiros líderes da Igreja, como São Clemente de Roma, Santo Inácio
de Antioquia, São Justino Mártir e São Policarpo (que ficou famoso por ter
aprendido sua fé com o próprio João). Esses primeiros cristãos eram
uniformes em sua interpretação e profundamente católicos em sua teologia, com
profundo respeito pela Eucaristia.
A eclesiologia deles
parecia diferente da minha imagem mental da Igreja primitiva, como uma assembleia
de igrejas domésticas, todas gradualmente desenvolvendo seu próprio
entendimento sobre como ler as escrituras. Em vez disso, os bispos
cuidavam das regiões e guardavam uma única ortodoxia.
Sempre que havia o perigo
de desenvolvimento de duas teologias divergentes, os Concílios eram convocados
para fazer declarações de autoridade. Você fazia parte da Igreja Universal
ou estava com os hereges. Na segunda metade do segundo século, a Igreja se
estendeu pelo Oriente Médio, Europa e Norte da África.
Quando Santo Irineu, o Bispo
de Lyon na França, enfrentou os gnósticos, e foi capaz de atribuir a
uniformidade da interpretação das escrituras à sucessão apostólica, alinhada
com o Bispo de Roma. Nenhum “denominacionalismo” aqui. Eu
estava preocupado.
Comecei a ver que Jesus
realmente pretendia delegar autoridade especial a Pedro, que deveria ser
exercida coletivamente com os outros Apóstolos e seus sucessores. Eu tinha
uma confiança crescente de que essa autoridade existia ao longo dos séculos – o
que me deu confiança para trabalhar com a longa lista de doutrinas católicas
que considerava problemáticas.
Um por um, descobri que
eles pareciam ter um mandato bíblico melhor do que muitas das coisas em que eu
acreditava anteriormente.
CORPO
Por algum tempo, suspeitei
que vivia a maior parte da minha fé na minha cabeça. Os evangélicos
alimentam o intelecto através do estudo, sermões e acreditando nas coisas
certas, mas algo mais corporificado estava me chamando.
Afinal, Jesus se encarnou
para viver entre nós e trabalhou por meio do mundo físico. Algumas
tradições sustentam uma visão individualista de salvação de 'Jesus e eu', mas
agora eu posso ver um chamado mais forte para a salvação como uma experiência
corporativa de ser “encontrado nele”, sendo enxertado em seu corpo místico (Filipenses
3, 9 ) ao ser enxertado em sua Igreja.
Minha pesquisa chegou ao
ponto em que criei coragem para ir à missa. Parecia quase ilícito, mas não
demorou muito para que eu ficasse atordoado com a profunda
experiência. Algo extraordinário estava acontecendo, e os participantes
estavam tendo um encontro íntimo com Deus.
A liturgia foi repleta de
referências bíblicas e cada detalhe parecia cheio de significado.
Deus não queria nos
encontrar apenas em nossas mentes. Ele fez um universo físico e escolheu
encarnar-se para que pudéssemos experimentá-lo corporalmente. Os
sacramentos são uma maneira de transformar coisas físicas comuns em sinais
extraordinários da presença de Deus; nada mais do que a Eucaristia, na
qual ele se faz presente fisicamente a nós como o foi aos Apóstolos.
Eu assisti acontecer e
sabia que queria compartilhar isso.
Todo o universo físico é
dotado de sinais sacramentais, se nos dermos ao trabalho de parar e olhar.
REAVALIANDO AS DOUTRINAS PROTESTANTES
Eu costumava acreditar na “Sola Scriptura”, o princípio da Reforma de
que, somente a Bíblia fornece os meios pelos quais podemos determinar a
doutrina.
Agora acredito que todos
nós, de acordo com nossa tradição escolhida, atribuímos um peso diferente aos
livros e versículos da Bíblia, com alguns proclamados bem alto e outros apenas
sussurrados. As doutrinas que surgem, têm tanto a ver com os versículos
que selecionamos para defender nosso caso, quanto com a própria Bíblia – a
Bíblia sozinha não nos diz qual seleção fazer. Nesse sentido, ninguém é um
cristão 'somente na Bíblia'.
Eu costumava acreditar que a experiência dos dons carismáticos do
Espírito era limitada dentro do catolicismo.
Agora, acredito que a Igreja
Católica nunca foi cessacionista e muitos dos santos ao longo dos tempos
expressaram sua fé por meio dos dons do Espírito. Santa Teresa d’Ávila
considerava a oração, uma partilha íntima, frequente com Jesus como amigo, e
descrevia o prazer de orar em línguas. Existem muitas correntes vibrantes
de renovação carismática na Igreja Católica hoje, no Reino Unido e em todo o
mundo.
Eu costumava acreditar que o catolicismo ensina a salvação pelas obras
e seria diametralmente oposto ao Evangelho da graça.
Agora, acredito que todos
são atraídos para a fé salvadora somente pela graça de Deus. Quaisquer
boas obras que realizamos são alcançadas da mesma forma, cooperando com a graça
contínua que Deus provê. Se recebemos uma coroa no céu, é porque Deus está
coroando a obra dele, não a nossa. (Ver parágrafos 1987 - 2029 do
Catecismo da Igreja Católica.)
Eu costumava acreditar que Deus está mais interessado no que
acreditamos em nossas mentes do que no que fazemos com nossos corpos.
Agora acredito que a Igreja
Católica Apostólica tem uma profunda convicção de que o corpo é tão importante
quanto nossa alma e tem muito a nos ensinar sobre nosso relacionamento com
Deus. No início da revolução sexual na década de 1950, um jovem Bispo
polonês, Karol Wojtyła, começou a trabalhar na Teologia do Corpo.
Quando se tornou o Papa
João Paulo II, ele dedicou sua pregação semanal das quartas-feiras a este
assunto, por cinco anos completos, entre 1979 e 1984. Para um relato popular
deste trabalho, veja a Introdução à Teologia do Corpo por Christopher West
(Ascension Press).
ESPÍRITO
Olhando para trás, admito
que desdenhava qualquer espiritualidade fora do protestantismo
convencional. A liturgia e as orações fixas eram para pessoas que
realmente não conheciam Jesus pessoalmente; um pobre de espírito, para a
espontaneidade, autenticidade e intimidade da oração informal.
Mas, ao mesmo tempo, eu
estava ficando cansado das reuniões da igreja, onde a oração parecia ser tanto
buscar a aprovação das pessoas na sala quanto fazer uma petição a
Deus. Minha vida particular de oração dependia muito de 'orações certeiras'
enquanto eu fazia outras coisas, como dirigir ou cortar a grama; não de
todo ruim, mas eu não estava dando tempo de qualidade ao Senhor.
A exigência de que a
oração fosse autêntica, tornou-se um motivo para rezar apenas quando me
sentisse inclinado.
A adoração, por outro
lado, envolveu minhas emoções, levando-me de 0 a 100 km/h em pouco tempo, mas
os sentimentos são inconstantes e podem dar a ilusão de intimidade. Uma
parte muito mais profunda da minha alma estava sendo deixada intocada.
A oração litúrgica, é
agora uma grande parte da minha vida, tanto corporativa quanto
privadamente. Não preciso 'sentir-me' inspirado para orar e isso me atrai
para as escrituras que, de outra forma, evitaria. Eu me oriento todas as
manhãs rezando o Salmo 95 e o Benedictus (Lucas 1, 68-79), mas, longe de se
tornar uma rotina, descobri que eles são um trampolim para uma oração mais
profunda.
Como um músico tocando um
tom abaixo, a oração litúrgica permite que o Espírito Santo prenda minha
atenção e traga à mente uma pessoa ou situação. Terminar o dia rezando o
Exame de Consciência, e é um belo momento de intimidade com o Senhor. (É
encorajador ver esses princípios sendo redescobertos nas denominações).
Não quero colocar uma
espiritualidade contra outra; todas as formas têm seus riscos e
recompensas. A alegre espontaneidade e expressividade da adoração
carismática, podem dar lugar ao excesso de familiaridade e complacência.
A riqueza da oração
litúrgica pode acabar sendo apenas uma mera rotina. Mas qualquer que seja
a forma que nossa oração assuma, ela deve se tornar um hábito profundamente
arraigado, que permite ao Espírito Santo nos formar e nos atrair para uma
intimidade cada vez mais profunda. Deus graciosamente nos dá experiências
no topo da montanha, mas a constância, supera a intensidade todos os dias na
planície.
PRONTO PARA PULAR
Depois de ler dezenas de
livros ao longo de três anos, minhas objeções teológicas foram respondidas e
minha alma ansiava por mergulhar mais fundo. Cheguei ao ponto de entregar
a decisão a Deus e rezei: “Senhor, se queres me enraizar na Igreja Católica, é
razoável que eu peça uma palavra profética”.
Pedi a Deus que fizesse
isso por meio de um pastor de igreja específico, que nunca havia feito nada
parecido por mim.
Não contei a ninguém sobre
essa oração, mas, no domingo seguinte, o pastor se aproximou de mim. Ele
disse que tinha uma foto de Deus que ele tinha certeza que era para
mim. Era de uma planta abandonada que, depois de ser replantada,
floresceu. Ele disse: “Acho que Deus quer replantar você!”
Passei dez meses em
formação com a Paróquia Igreja Católica, mas também com deliciosos almoços com
meu padrinho, que assumiu o papel que um padrinho poderia fazer para uma pessoa
mais jovem.
Mesmo depois de ler todos
os 2.865 parágrafos do Catecismo, eu ainda tinha muitas perguntas, então nossos
almoços costumavam ser muito teológicos. Finalmente, na Quaresma de 2019,
fiz minha primeira confissão, antes de entrar em comunhão com a Igreja Católica
Apostólica. Nos três anos desde então, tenho me aproximado cada vez mais
de Deus, por meio de uma amizade cada vez mais profunda com Jesus.
Sou grato por minha esposa,
que sofreu durante todo esse tempo, e amigos cristãos que caminharam comigo
nesta jornada, apesar de terem uma visão diferente. Eu realmente acredito
na unidade da Igreja que Jesus ensinou e pela qual orou.
A Igreja Católica Apostólica
precisa de muitas das características maravilhosas e do zelo missionário do
cristianismo evangélico, e o protestantismo precisa da âncora da ortodoxia e da
visão de longo prazo do catolicismo.
Confio, que muitos
cristãos são capazes de incorporar algumas das ideias acima, como rezar o Exame
de Consciência, em suas próprias tradições e desejo apoiá-los quando o fizerem.
Mas, para mim, a Igreja
Católica Apostólica tem uma plenitude de expressão à qual não pude
resistir. Eu valorizo minhas raízes evangélicas – e a planta que eles
sustentaram agora está florescendo em seu novo vaso.
Tony
Wilson - 26 de agosto de 2022
Tony Wilson é um escritor
freelancer