terça-feira, 22 de outubro de 2024

A Alma do Papa São João Paulo II


Para entender João Paulo II verdadeiramente, é preciso começar reconhecendo que, antes de qualquer coisa, ele foi um discípulo cristão profundamente convertido. Logo após sua morte, em 2 de abril de 2005, Henry Kissinger declarou à NBC que seria difícil imaginar alguém com maior impacto no século XX do que o papa polonês que, na noite de sua eleição, em 1978, se descreveu como "um homem vindo de uma terra distante". Isso é notável porque Kissinger, uma figura influente da política mundial, não compartilhava das crenças religiosas ou filosóficas de Karol Wojtyła. Passados mais de 15 anos, o comentário de Kissinger ainda merece reflexão. Se João Paulo II foi, de fato, a figura mais emblemática do século XX, o que fez dele essa personalidade marcante? E como sua virtude heroica, reconhecida pela Igreja quando ele foi canonizado em 2014, se relaciona com seu impacto?

Em uma conversa em 1996, João Paulo II comentou sobre as tentativas dos biógrafos de entender sua vida: "Eles tentam me entender de fora. Mas eu só posso ser compreendido de dentro." Ele sabia que era uma figura histórica, mas insistia que sua história só poderia ser compreendida a partir de sua alma. Revisitando essa alma, podemos compreender melhor sua vida e suas realizações.

Karol Wojtyła, que se tornaria João Paulo II, tinha uma alma profundamente polonesa, moldada não só pela cultura do país, mas pela experiência histórica da Polônia. Nascido em 1920, ele foi da primeira geração de poloneses a crescer num Estado independente após mais de um século de ocupação estrangeira. Durante 123 anos em que a Polônia não existia como nação, sua cultura e fé católica preservaram a identidade nacional. Isso deixou uma marca profunda em Wojtyła, que acreditava que a cultura, mais do que a política ou a economia, era o verdadeiro motor da história. E no coração de qualquer cultura está o culto, ou seja, aquilo que as pessoas veneram. Quando foi eleito papa, em 1978, a Igreja Católica no Ocidente parecia estar em declínio. Mas João Paulo II, com sua experiência polonesa, acreditava que o cristianismo ainda poderia ser uma força poderosa para moldar o futuro.

A espiritualidade de João Paulo II também foi profundamente influenciada pela tradição carmelita, especialmente pelos escritos de São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila, que ensinaram que a verdadeira realização humana está no dom de si, em obediência a Deus. Para João Paulo II, a Cruz de Cristo era o ponto central da história humana. A partir disso, ele desenvolveu sua ética, acreditando que, assim como recebemos nossas vidas como um presente, devemos oferecer nossas vidas aos outros.

Outro aspecto fundamental da sua espiritualidade era sua devoção à Virgem Maria. Desde cedo, ele se colocou sob a proteção de Maria, vendo nela não apenas uma figura tradicional da fé polonesa, mas o exemplo supremo de discipulado cristão. Sua obediência à vontade de Deus, especialmente nas horas mais difíceis, inspirou a vida e o pontificado de João Paulo II.


Além disso, Wojtyła possuía uma alma dramática, formada por sua paixão pelo teatro. Ele via a vida como um drama, uma jornada entre o que somos e o que devemos nos tornar. Essa visão dramática, aliada à sua experiência como ator e dramaturgo, o ajudou a se conectar de forma autêntica com as pessoas, especialmente com os jovens, desafiando-os a buscar grandeza moral e espiritual, mesmo em um mundo marcado pelo pecado e pelo mal.

Embora João Paulo II tivesse uma profunda vocação sacerdotal, ele também possuía o que poderíamos chamar de uma "alma laica". Antes de considerar o sacerdócio, ele pretendia viver como leigo e acreditava que a santidade não era uma vocação reservada ao clero, mas um chamado universal para todos os cristãos. Para ele, a fé católica deveria iluminar todos os aspectos da vida, não apenas uma parte dela.

Por fim, sua vida foi marcada pela busca de uma ideia coerente da dignidade humana, especialmente depois de experimentar as atrocidades da Segunda Guerra Mundial e da ocupação comunista em sua terra natal. Ele acreditava que a Igreja tinha a missão de resgatar a ideia de pessoa humana em um século marcado pela desumanização. A seu ver, o século XX havia deixado cicatrizes profundas, e o papel da Igreja era apontar um caminho de esperança e redenção para a humanidade.

A experiência de Karol Wojtyła durante a Segunda Guerra Mundial foi decisiva para moldá-lo. A brutalidade e o sofrimento constantes na Polônia sob o regime nazista fizeram com que ele se tornasse um “diamante”, alguém capaz de enfrentar as dificuldades e, ao mesmo tempo, refletir a luz em tempos sombrios. Essa força interior o ajudou, mais tarde, a desafiar o regime comunista e a inspirar movimentos de resistência pacífica.

Quando João Paulo II foi eleito papa, a divisão entre o Oriente e o Ocidente, simbolizada pelo Muro de Berlim, parecia permanente. Muitos líderes mundiais acreditavam que o melhor que se poderia fazer era amenizar as tensões. Mas João Paulo II, com sua visão firme, recusou-se a aceitar essa divisão como inevitável e, com seu papel decisivo no colapso do comunismo, mostrou ao mundo que uma mudança histórica era possível.

Dentro da Igreja, João Paulo II ajudou a restaurar o senso de missão evangelizadora. Ele acreditava que a Igreja não podia se limitar à manutenção de suas instituições, mas deveria se transformar em um empreendimento missionário, como era nos seus primórdios. Para ele, o catolicismo não era apenas uma tradição a ser preservada, mas um chamado a todos para uma nova evangelização, para levar a mensagem de Cristo a todas as nações.

João Paulo II foi um papa que trouxe ao seu pontificado um conjunto excepcional de talentos e dons pessoais, que foram refinados por sua fé inabalável e décadas de experiência pastoral. Sob sua liderança, a Igreja se tornou um ator importante no cenário mundial e na renovação espiritual do final do século XX e início do XXI. Mas para entender João Paulo II de verdade, é preciso começar pelo reconhecimento de sua alma profundamente enraizada na fé cristã e na visão de que o mundo só pode ser transformado através da luz de Cristo.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Não Há Liberdade Sem Verdade - São João Paulo II estava certo!



“Não pode haver Estado de direito… a menos que os cidadãos e especialmente os líderes estejam convencidos de que não há liberdade sem verdade.” 

Papa São João Paulo II

O homem é chamado à liberdade e à verdade. A verdade é dada ao homem como uma fundação inabalável. “Só então ele será capaz de se realizar completamente e até mesmo superar a si mesmo.” Não há liberdade sem verdade. Ambos são fenômenos integrados, fundidos em um.

O esplendor da verdade resplandece em todas as obras do Criador e, de modo especial, no homem, criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1, 26). Segundo Karol Wojtyła, “A verdade ilumina a inteligência do homem e molda sua liberdade, levando-o a conhecer e amar o Senhor”. 

Somente a liberdade que advém da verdade gera o bem. Caso contrário, a liberdade pode ser uma força para o mal, pois degenera em licença. Estas são  respostas a duas perguntas fundamentais: O que é liberdade? A liberdade pode existir sem a verdade?

De acordo com Aristóteles, “a liberdade é uma propriedade da vontade que é realizada através da verdade. A liberdade é dada ao homem como uma tarefa a ser cumprida.” A autor realização da liberdade humana na verdade começa na “experiência do sujeito moral.” São Tomás de Aquino abraçou o sistema aristotélico de virtudes: prudência, justiça, fortaleza e temperança. “O bem que deve ser realizado pela liberdade humana é precisamente o bem das virtudes.” Mas São Tomás deu um passo adiante e adicionou à moralidade de Aristóteles “luz que é oferecida pela Sagrada Escritura. A maior luz vem do mandamento de amar a Deus e ao próximo. Neste mandamento, a liberdade humana encontra sua realização completa.

O enraizamento da liberdade na verdade também tem sido um tema central nos escritos de São João Paulo II, enquanto Papa. No coração de seus documentos magisteriais está o tema da liberdade humana. O Papa a definiu desta forma:

“A liberdade não consiste em fazer o que gostamos, mas em ter o direito de fazer o que devemos.” 

O homem é chamado à liberdade”, nos disse. Ele quis dizer liberdade baseada em valores e atitudes éticas. A liberdade também se apoia em quatro fundamentos principais: verdade, solidariedade, sacrifício e amor.

Verdade : “As forças criativas livres do homem só se desenvolverão ao máximo se forem baseadas na verdade, que é dada a todo homem como uma fundação inabalável. Só então ele será capaz de se realizar completamente e até mesmo superar a si mesmo. Não há liberdade sem verdade.”

Solidário : “A liberdade experimentada na solidariedade se expressa na ação pela justiça nos campos político e social, e direciona o olhar para a liberdade dos outros. Não há liberdade sem solidariedade.”

Sacrifício: “A liberdade é um valor extremamente precioso, pelo qual um alto preço deve ser pago. Ela requer generosidade e prontidão para o sacrifício; requer vigilância e coragem diante de forças internas e externas que a ameaçam. … Não há liberdade sem sacrifício.”

Amor. “Deixe o portão aberto abrindo seus corações! Não há liberdade sem amor.”

Karol Wojtyla sabia o preço real da liberdade. Ele viveu sob a ameaça de morte pelos nazistas e viu sua amada Polônia lutar sob os comunistas. Portanto, ele foi um dos mais poderosos embaixadores da liberdade e da verdade em seu próprio país e no mundo inteiro. Em 1996, o papa polonês apelou para “aquelas nações que ainda têm negado o direito à autodeterminação, aquelas muitas nações, e há de fato muitas delas nas quais as liberdades fundamentais do indivíduo, fé e consciência, assim como a liberdade política, não são garantidas”. Assim, a falta de verdade se traduziu em falta de liberdade. 

Em sua primeira encíclica Redemptor Hominis, São João Paulo II citou as palavras de Cristo sobre a força libertadora da verdade. Então ele acrescentou:

Estas palavras contêm tanto uma exigência fundamental como uma advertência: a exigência de uma relação honesta com a verdade como condição para a liberdade autêntica, e a advertência para evitar todo o tipo de liberdade ilusória, toda a liberdade superficial unilateral, toda a liberdade que não consiga entrar na verdade total sobre o homem e o mundo.” 

De fato, dado o pluralismo contemporâneo, o agnosticismo e o relativismo cético, o aviso de São João Paulo II sobre a “crise da liberdade e da verdade” soa como uma profecia. Ele nos alertou que qualquer afastamento da verdade resulta na liberdade perdendo suas amarras e expondo o homem à violência da paixão e à manipulação. 

A crise contemporânea da liberdade é, em sua raiz, uma crise da verdade. Na Veritatis Splendor, na Evangelium Vitae e em outros lugares de seus ensinamentos oficiais, São João Paulo II afirmou que, negar o elo entre liberdade e verdade poderia levar ao totalitarismo. E em Memória e Identidade ele explicou:

O abuso da liberdade provoca uma reação que toma a forma de um sistema totalitário ou outro. Esta é a corrupção da liberdade que experimentamos no século XX e estamos experimentando algumas dessas formas hoje.

Seguindo Aristóteles, São Tomás de Aquino e São João Paulo II, repetimos que “não há liberdade sem verdade”. É claro que a ligação entre a liberdade humana e a verdade é de suma importância. Portanto, entender os pensamentos dos nossos filósofos e a teologia da verdade e da liberdade de São João Paulo II dentro dos contextos individuais, sociais e políticos nos ajuda a responder adequadamente aos desafios dos tempos atuais.


terça-feira, 15 de outubro de 2024

São João Paulo II é verdadeiramente o “Papa da Misericórdia”.

São João Paulo II, nascido Karol Wojtyła em 18 de maio de 1920, foi o papa que mais tempo serviu no século XX. Nascido em Wadowice, uma pequena cidade não muito longe de Cracóvia, o papa viajado é bem conhecido por seus ensinamentos sobre a Divina Misericórdia desde sua eleição para o papado em 1978. Ao longo de seu pontificado, o papa constantemente se centrou nas misericórdias de Deus.

São João Paulo II concentrou muitos de seus esforços em trazer Cristo para a cultura, por meio da Divina Misericórdia de Deus. O Domingo da Divina Misericórdia, que cai no segundo domingo da Páscoa, nos lembra que a misericórdia é a resposta final para os problemas do mundo de hoje. Aliás, João Paulo II morreu na vigília da festa cinco anos depois de ter oficialmente concedido a festa à Igreja Universal, e foi beatificado (2011) e canonizado (2014) nos Domingos da Divina Misericórdia.

No primeiro domingo do Advento, 30 de novembro de 1980, o Papa João Paulo II publicou sua segunda carta encíclica “Dives in Misericordia” (Rico em Misericórdia), na qual descreve a misericórdia de Deus como a presença de um amor que é maior do que qualquer mal, maior do que qualquer pecado e maior do que a morte. Nesta encíclica, ele convoca a Igreja a se dedicar a implorar pela misericórdia de Deus para o mundo inteiro.

A publicação desta segunda encíclica foi provavelmente o acontecimento mais importante na vida do Santo Padre e na sua relação com Santa Faustina e com a mensagem da Divina Misericórdia. 

Com base em reflexões da Dives in Misericordia (DM), vemos vários fundamentos teológicos essenciais para ter uma verdadeira compreensão e expressão da misericórdia de Deus.

Em primeiro lugar, João Paulo aponta para a revelação da misericórdia no mistério pascal — a paixão, morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Para que a “justiça absoluta” aconteça, ele diz, “Cristo sofre a paixão e a cruz por causa dos pecados da humanidade. Isso constitui até mesmo uma ‘superabundância’ de justiça, pois os pecados do homem são ‘compensados’ pelo sacrifício do Homem-Deus” (DM, 7). A verdadeira misericórdia é revelada porque “Ele nos salvou, não por causa de coisas justas que tivéssemos feito, mas por causa de sua misericórdia” (Tit 3, 5). 

Um segundo ponto importante sobre a misericórdia de Deus é encontrado na parábola do Filho Pródigo. Ao analisar esta parábola, São João Paulo II destacou que no ato do perdão, “aquele que perdoa e aquele que é perdoado encontram-se num ponto essencial, a saber, a dignidade ou valor essencial da pessoa” (DM, 14). O filho, que esbanjou seus bens, perdeu toda a dignidade. Ele não tinha nada para comer. Ele ansiava pelo que os servos de seu pai tinham, e resolveu retornar ao pai, que por sua vez restaura a dignidade de seu filho:

Mas o pai disse aos seus servos: 'Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois, este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!' E começaram a festejar.” (Lc 15,22-24).


A misericórdia restaura a dignidade e valoriza todos os homens pelo que eles são, à imagem de Deus, não meramente pelo que eles merecem. Para esse fim, vale a pena citar o santo Papa:

“A misericórdia em si mesma, como uma perfeição do Deus infinito, também é infinita. Também infinita, portanto, e inesgotável é a prontidão do Pai para receber os filhos pródigos que retornam à Sua casa. Infinitas são a prontidão e o poder do perdão que fluem continuamente do valor maravilhoso do sacrifício do Filho. Nenhum pecado humano pode prevalecer sobre esse poder ou mesmo limitá-lo. Da parte do homem, somente a falta de boa vontade pode limitá-lo, a falta de prontidão para se converter e se arrepender, em outras palavras, a persistência na obstinação, opondo-se à graça e à verdade, especialmente diante do testemunho da cruz e da ressurreição de Cristo.”


São João Paulo II, em seu ministério, exemplificou a misericórdia. Ele abraçou todos os que estavam sofrendo por meio de suas muitas visitas papais e se opôs à matança inocente da humanidade, mais evidente no aborto e na eutanásia. O mais surpreendente é que, depois de ser baleado várias vezes, ele visitou seu suposto assassino na prisão, perdoou-o e implorou aos tribunais que perdoassem o homem da prisão perpétua.

Aonde isso nos leva? Carregamos as cruzes pelo bem dos outros? “O amor misericordioso é supremamente indispensável entre aqueles que estão mais próximos uns dos outros: entre maridos e esposas, entre pais e filhos, entre amigos”, escreveu o papa. “E é indispensável na educação e no trabalho pastoral” (DM, 14). Na cruz de Cristo, recebemos um exemplo da misericórdia de Deus e somos desafiados a estender Sua Divina Misericórdia aos outros.

E nós? Que necessidade temos, como filhos de Deus, da misericórdia de Deus? Em que áreas de nossas vidas e de nossa profissão lutamos para encontrar misericórdia e perdão de Deus? É verdade que, como missionários da misericórdia, somos chamados a espelhar a misericórdia de Deus para os irmãos com quem interagimos e que não 'merecem' misericórdia! (fundamento básico para derramarmos misericórdia é não a merecer, caso contrário, seria aplicação da justiça). Mas como podemos praticar a misericórdia sem primeiro buscar recebê-la, sem reconhecer que somos absolutamente dependentes da Sua misericórdia, por estarmos mergulhados no pecado? Precisamos implorar muito pelo Seu perdão e Sua misericórdia, sem medo, sem receios, sem desculpas, de plena consciência de quem somos e de on de viemos, e pedir incessantemente, já que nosso próprio Senhor nos lembrou que "aquele a quem pouco foi perdoado mostra pouco amor." (Lc 7, 47)?

Corajosos, peça ao Senhor sua Divina Misericórdia, já que Ele nunca se cansa de oferecê-la a nós.


domingo, 13 de outubro de 2024

Corações em chamas: O que podemos aprender com Santa Margarida Maria Alacoque

 

Alguns santos são fáceis de amar. Por gerações fomos atraídos pela espiritualidade humilde e pela ´pobreza de São Francisco de Assis, por exemplo, ou pelo zelo poderoso de Santa Catarina de Siena .

Outras são desafiadoras. Seu sabor particular de santidade pode ser difícil de compreender nos tempos modernos. Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690) é uma dessas santas.

Quando você lê sua autobiografia, logo percebe que a auto aversão (extrema), era um dos seus temas principais. Honestamente, é difícil de ler. Ao contrário de outros santos que escreveram sobre sua humilhação, ela gasta mais folhas em sua maldade e consequente necessidade de punição, do que na bondade de Deus. 

E ainda assim, Deus a escolheu para ser a embaixadora de seu Sagrado Coração. Toda a sua vida se torna uma poderosa história da misericórdia de Deus quando você se lembra disso.

Santa Margarida Maria, cujo dia de festa é 17 de outubro, teve um começo de vida difícil. Seu pai e sua irmã mais nova morreram quando ela tinha apenas oito anos. Ela foi imediatamente mandada para uma escola de convento, onde adoeceu quase imediatamente. Ela ficou de cama por dois anos antes de ser mandada de volta para sua mãe.

Sua mãe havia se mudado para a casa da família paterna de Margaret Mary. Membros daquela família abusavam horrivelmente de Margarida Maria e de sua mãe. Ela descreveu a situação delas como um "estado de cativeiro", onde elas tinham que pedir permissão para fazer até as tarefas mais simples da casa. Eles frequentemente a impediam de ir à missa. Quando ela chorava por isso, eles começaram a espalhar boatos pela casa de que ela estava tentando se encontrar com um rapaz. Eles também a espancavam e a faziam trabalhar como empregada.

Durante esse tempo, Margarida Maria desenvolveu uma enorme capacidade de oração mental, apesar de não ter ninguém para guiá-la. Ela se ajoelhava em um canto do jardim da família por dias, derramando seu coração para Jesus por meio de Maria. Ela eventualmente voltava furtivamente para a casa para trabalhar entre os servos. Mais tarde, começou a infligir penitências dolorosas a si mesma e a repetir suas confissões porque tinha certeza de que seus pecados eram terríveis demais para serem perdoados. 

Jovens homens começaram a se aproximar de sua família através dela. Vários fizeram propostas de casamento vantajosas. Sua mãe frequentemente lembrava Margarida Maria de que ela só poderia deixar a família abusiva, se ela montasse sua própria casa. Margarida Maria começou a pensar em ignorar seu chamado para a vida religiosa. Então Jesus apareceu açoitado diante dela e disse que sua vaidade o havia colocado naquele estado. Ela começou a se machucar ainda mais.

Finalmente, apesar da raiva da família, ela deixou claro que tinha que entrar para a vida religiosa. A família a pressionou para se juntar à prima com as Ursulinas, mas ela teve uma experiência mística com São Francisco de Sales e sabia que deveria ser filha dele. Ela entrou na Ordem das Freiras da Visitação em Paray quando tinha vinte e três anos. 

Pouco depois de professar, Margarida Maria recebeu uma tremenda graça. Ela estava rezando diante do Santíssimo Sacramento quando foi preenchida pela presença de Jesus, a ponto de esquecer onde estava. 

Jesus a fez deitar-se contra seu peito como São João na Última Ceia. Ele contou a ela os segredos de seu coração.

Meu Divino Coração”, ele disse, e ela nos revela em sua autobiografia, “está tão inflamado de amor pelos homens, e por você em particular, que, não podendo mais conter em si as chamas de Sua Caridade ardente, deve espalhá-las por teus meios e manifestar-se a eles (a humanidade) para enriquecê-los com os preciosos tesouros que eu descubro para você, e que contêm graças de santificação e salvação necessárias para retirá-los do abismo da perdição.”

O coração de Jesus está tão em chamas com amor pela humanidade que ele tem que se espalhar. Ele queria que Margarida Maria espalhasse esse amor, pois ele contém as graças necessárias para a salvação.

Então, ele pediu a ela o coração dela, que ela implorou que Ele pegasse. Ele o colocou dentro do seu. Ela descreveu isso como observar um pequeno átomo consumido por uma fornalha. Quando Ele puxou o coração dela para fora, parecia uma chama. Ele o colocou de volta nela. Ele disse a ela que seu coração em chamas a consumiria até o fim de sua vida.

Logo Margarida Maria foi acusada de estar possuída. As irmãs jogaram grandes quantidades de Água Benta sobre ela para curá-la. Ela também foi enviada para falar com muitos teólogos, que duvidavam abertamente dela.

Finalmente, ela foi se confessar com St. Claude de Colombière. Pela primeira vez em sua vida, alguém acreditou nela imediatamente. Ele lhe ensinou o discernimento dos espíritos e a aconselhou a agradecer a Deus pelas graças que Ele lhe dera constantemente. Ele permitiu que ela orasse do jeito que Deus lhe havia ensinado e ordenou que parasse de se punir por lutar com a oração vocal.

Pouco depois disso, ela foi receber a comunhão de Claude. Jesus lhe deu uma visão de ambos os corações sendo consumidos pelo dEle. E lhe disse que eles deveriam trabalhar juntos para espalhar a devoção ao seu Sagrado Coração. 

Claude eventualmente escreveu um livro sobre suas visões. Isso trouxe uma nova dedicação ao Sagrado Coração de Jesus.

Após a morte prematura do Padre Claude, seus escritos sobre as revelações foram encontrados e lidos pela superiora e pelas irmãs da Irmã Margaret Mary, que então aceitaram suas revelações como genuínas.

Hoje, o Sagrado Coração de Jesus é reverenciado por católicos ao redor do mundo.

Deixamos muita coisa de fora dessa história, principalmente páginas de Margarida Maria descrevendo sua vileza e as coisas horríveis que ela fez com seu corpo antes de ser controlada. Realmente, tivemos dificuldades. Não conseguimos conciliar a beleza do Sagrado Coração com sua história trágica e perturbadora. Finalmente, ocorreu-nos que talvez fosse exatamente isso que Deus queria. 

Quando olhamos para o Sagrado Coração, vemos a misericórdia e o amor infinitos de Deus. Ele o usa para nos dizer que nenhum sacrifício que fazemos pode chegar perto do dele, e ainda assim, está nos dando seu coração. O Sagrado Coração é uma escola de amor e misericórdia.

Embora a devoção ao Sagrado Coração já existisse no século XII, Jesus esperou por uma menina abusada em particular, na França, para espalhar a devoção.

Jesus Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem na unidade de uma pessoa divina. Quando adoramos o Sagrado Coração, adoramos o Verbo Eterno, que compartilha o amor divino da Trindade desde toda a eternidade; adoramos a humanidade de Jesus Cristo, unida substancialmente ao Verbo Eterno e expressando amor em Sua vontade humana, sentidos e sentimentos. Em linguagem moderna, poderíamos dizer que Ele é alguém com quem podemos nos relacionar.

Ele nos mostra que ninguém está além do Seu amor, não importa quão desolado ou abusado seja ou esteja. Qualquer um pode ser seu mensageiro. Só temos que colocar nossas cabeças em seu coração e deixá-lo nos contar sobre seu amor.

Qual é sua experiência com devoções ao Sagrado Coração? Conte-nos na seção de comentários no final da página.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

POR QUE NÃO SOU ESPÍRITA?

 

Espiritismo: por que não sou espírita? 

Dom Estêvão Bettencourt

Pergunte e Responderemos 360 – maio 1992

 

 


Espiritismo: por que não sou espírita?

Em sínteseSão apontadas sete razões pelas quais um católico não pode ser espírita: O Espiritismo (tanto o kardecista quanto o afro-brasileiro) está baseado na hipótese de que existe comunicação dos vivos com os mortos mediante artes mágicas ou receitas eficazes. Ora isto é enorme ilusão, que só pode ter significado em ambientes que ignoram as conclusões da ciência parapsicológica contemporânea (ciência que não existia nos tempos de Allan Kardec, 1804-1869). Além disto, a reencarnação – outra pedra básica da crença espírita – é postulado sem fundamento; a parapsicologia e a reta explicação da fé católica dissipam facilmente os seus pretensos fundamentos. Além disto, é de notar que o Espiritismo é poderoso foco de doenças mentais, como afirmam grandes médicos do Brasil, constituindo assim um problema que interessa à saúde pública. Deve-se outrossim registrar que as próprias irmãs Fox, cujas experiências deram origem ao Espiritismo moderno, se retrataram, reconhecendo que se serviram de truques para produzir os fenômenos que os circunstantes interpretam como intervenções do além.

O Espiritismo seduz muitos fiéis católicos, seja por causa dos fatos prodigiosos que lá ocorrem, seja pela promessa de comunicação com os defuntos, seja porque o Espiritismo às vezes se reveste de capa católica, adotando nomes de Santos para seus Centros e louvando Jesus Cristo…

Dai a necessidade de dizermos por que um católico não pode ser espírita. É o que faremos nas páginas seguintes, abrangendo sob a designação de Espiritismo também as religiões afro-brasileiras (Umbanda, Candomblé, Macumba…); estas têm em comum com o kardecismo a prática da evocação dos mortos e a crença na reencarnação (A relação entre Espiritismo e Umbanda, por exemplo, é tão íntima que há quem diga que a Umbanda é complementação do Espiritismo; seria a quarta revelação (após a de Moisés, a de Jesus Cristo e a de Allan Kardec). Tenha-se em vista o texto do jornal O Reformador‚; órgão oficial da Federação Espírita Brasileira, julho de 1953, p. 149 (Baseados em Kardec, é-nos lícito dizer: Todo aquele que crê nas manifestações dos espíritos é espírita; ora o umbandista nelas crê, logo o umbandista é espírita… Assim todo umbandista é espírita, porque aceita a manifestação dos Espíritos, mas nem todo espírita é umbandista, porque nem todo espírita aceita as práticas de Umbanda”).

São sete as razões pelas quais não sou espírita (kardecista ou umbandista):

1. Grande Ilusão

Um dos fatores mais atraentes do Espiritismo é a aparente comunicação com os espíritos desencarnados; estes parecem acompanhar os vivos, consolando-os e orientando-os; é o que ocorre nos casos do copo falante, da psicografia, das casas mal-assombradas, etc.

Ora a explicação desses fenômenos por intervenção de espíritos do além podia ter crédito nos tempos de Allan Kardec (1804-1869). Hoje, porém, o estudo do psiquismo humano mostra que todos os fenômenos ditos de mediunidade são meras expressões do psiquismo do médium e de seus assistentes. Com efeito, a parapsicologia ensina que temos 7/8 de nossos conhecimentos (adquiridos desde a infância) em nosso inconsciente; usamos apenas 1/8 daquilo que sabemos. Ora, por efeito da sugestão, essas noções latentes sobem à consciência do indivíduo e lhe possibilitam manifestações que parecem estranhas, oriundas do além, quando na verdade são apenas expressões daquilo que a pessoa viu, ouviu, sentiu no decorrer da sua vida presente.

O inconsciente, a sugestão e uma grande sensibilidade são, portanto, os principais fatores que explicam os fenômenos mediúnicos. O inconsciente é um enorme repertório de imagens, sons e experiências latentes no ser humano; está sujeito a ser ativado pela sugestão de que o médium vai receber um espírito do além e, por isto, terá que representar um papel condizente com tal incorporação.

Não há fenômeno mediúnico nenhum que não possa ser explicado pela parapsicologia, de modo que é falso recorrer a intervenções do além para compreendê-los.

Somente quem permite que a emoção e os sentimentos preponderem sobre o raciocínio e a ciência, pode aderir ao Espiritismo. Este não é ciência, como diz, mas (doloroso é dizê-lo) é obscurantismo, pois supõe ainda o contexto do século XIX e ignora os resultados comprovados da Psicologia contemporânea.

2. O desmentido das irmãs Margaret e Katy Fox

1. Pouco se conhece um fato importante:

O Espiritismo moderno, como dizem os próprios espíritas, começa em Hydesville (N.Y., U.S.A.) em 1848. Certa noite, o pastor protestante John Fox, sua esposa e as duas filhas Margarida e Catarina estavam a conversar sobre estranhos fenômenos de assombração; Catarina então produziu estalos com os dedos; notaram todos que alguém os repetia. Por sua vez, Margarida produziu estalos e encontrou eco. Apavorada, a Sra. Fox perguntou: É homem ou mulher que está batendo?, mas não obteve resposta. Insistiu então: É espírito? Se é espírito, bata duas vezes. Produziram-se duas breves pancadas. Concluiu assim que um espírito desencarnado estava em comunicação com a família. Segundo se diz, os próprios espíritos indicaram às irmãs Fox em 1850 nova forma de comunicação: que os interessados se colocassem em torno de uma mesa, em cima da qual poriam as mãos; às interrogações que fizessem aos espíritos, a mesa responderia com golpes e movimentos indicadores de letras do alfabeto e de palavras.

Em pouco tempo, as novas práticas se espalharam pelos Estados Unidos, pelo Canadá e pelo México. Atravessaram o Atlântico, chegando à Escócia e à Inglaterra, passaram para a Alemanha e outros países europeus, encontrando em 1854 na França o seu grande doutrinador: Léon Hippolyte-Denizart-Rivail, que tomou o nome de Allan Kardec, pois julgava ser a reencarnação de um poeta celta do mesmo nome.

2. Ora eis o depoimento de Margaret Fox, publicado no jornal The New York Herald, de 24/9/1888:

Quando o espiritismo começou, Kate e eu éramos criancinhas e essa velha mulher, minha outra irmã, fez de nós seus instrumentos. Nossa mãe era uma tola. Era uma fanática. Assim a chamo porque era honesta. Acreditava nessas coisas. De fato, o espiritismo começou com um nada. Éramos apenas criancinhas inocentes. Que sabíamos nós? Ah, chegamos a saber demais! Nossa irmã serviu-se de nós em suas exibições; ganhávamos dinheiro para ela. Agora vira-se contra nós porque é esposa de um homem rico e sempre que ela o pode, opõe-se a nós.

O Dr. Kane encontrou-me quando eu levava essa vida. (Sua voz tremeu, aqui, e quase desfaleceu). Tinha eu apenas treze anos quando ele me livrou disso, colocando-me num colégio. Fui educada em Filadélfia. Aos dezesseis anos casei-me com ele na ocasião em que voltou de uma expedição ártica. Agora, chegamos à triste história, tão triste… Ele se achava muito doente…


Quando recuperei as forças, fui novamente empurrada para o espiritismo. Dei exibições com minha queridíssima irmã Kate. Sabia, então, é claro, que todos os efeitos por nós produzidos eram absolutamente fraudulentos. Ora, tenho explorado o desconhecido na medida em que uma criatura humana o pode. Tenho ido aos mortos, procurando receber deles um pequeno sinal. Nada vem daí – nada, nada. Tenho estado junto às sepulturas, na calada da noite, com licença dos encarregados. Tenho-me assentado sozinha sobre os túmulos, para que os espíritos daqueles que repousavam debaixo da pedra pudessem vir ter comigo. Tenho procurado obter algum sinal. Nada! Não, não, não, os mortos não hão de voltar, nem aqueles que caem no inferno. Assim o diza Bíblia católica, e eu o digo também. Os espíritos não voltam. Deus nunca o ordenou.

3. Por sua vez, a Sra. Katy Fox (casada com o Sr. Jencken), deixou o seguinte testemunho, publicado no The New York Herald, de 10/10/1888:

O espiritismo é fraude do princípio ao fim. É a maior impostura do século. Não sei se ela já lhe disse isso, mas Maggie e eu começamos quando éramos crianças muito pequeninas, pequenas e inocentes demais para compreendermos o que fazíamos. Nossa irmã Leah contava vinte e três anos mais que nós. Iniciadas no caminho do engano e encorajadas a isso, continuamos, é claro. Outros, com bastante idade para se envergonharem de tal infâmia, apresentaram-nos ao mundo. Minha irmã Leah publicou um livro intitulado O Elo que faltava ao Espiritismo. Pretende contar a verdadeira história do movimento, tanto quanto se originou conosco. Ora, só há no livro falsidade, do início ao fim. Salvo o fato de que foi Horace Greeley que me educou. O restante é uma cadeia de mentiras.

E, quanto às manifestações de Hydesville em 1848 e aos ossos encontrados na adega, e o mais?

Tudo fraude, sem exceção. Contudo, Maggie e eu somos as fundadoras do espiritismo! concluiu a Sra. Jencken.

Debaixo do nome dessa terrível, horrorosa hipocrisia – o espiritismo – tudo que há de impróprio, mau e imoral é praticado. Vão tão longe a ponto de terem o que chamam filhos espirituais! Pretendem a algo como a imaculada conceição! Coisa alguma poderia ser mais blasfematória, mais nojenta, mais altamente fraudulenta? Em Londres, fui, disfarçada, a uma sessão privada em casa de um homem rico. Vi uma chamada materialização. O efeito foi obtido por meio de papel luminoso cujo brilho se refletia sobre o refletor. A figura assim exibida era a de uma mulher – virtualmente um nu; envolvia-a uma gaze transparente. O rosto apenas se achava oculto. Era essa uma das sessões a que são admitidos alguns amigos privilegiados, não crentes, de espíritas crentes. Há, porém, outras sessões a que só são admitidos os mais provados e fiéis; aí ocorrem as coisas mais vergonhosas, que rivalizam com as saturnálias secretas dos antigos romanos. Não posso descrever-lhe essas coisas porque não ousaria.

4. O jornal The World, de 22/10/1888, publicou a crônica da famosa sessão na Academia de Música de Nova Iorque, ocorrida na noite de 21/10/1888. A Sra. Margaret Fox Kane proferiu então perante grande público caloroso depoimento, que também se lê no livro de Davenport: The Death – Blow to Spiritualism (New York 1888); desta obra extraímos o seguinte texto:

No dia 21 de outubro de 1888, a Sra. Margaret Fox Kane realizou pela primeira vez seu intento de, com os próprios lábios, denunciar publicamente o espiritismo e seu séqüito de truques. Apresentou-se à Academia de Música em Nova York perante numerosa e distinta assembléia e, sem reservas, demonstrou a falsidade de tudo quanto no passado fizeram sob o disfarce da mediunidade espírita.

Foi dura provação. A grande tensão nervosa de que padecia, tomou-lhe a mente altamente excitada, e o grande número de espíritas presentes na casa tentava criar uma perturbação, ou uma diversão desleal que teria por fim romper a força da denúncia da Sra. Fox. Falharam, porém, completamente, graças ao caráter superior que possuía a maioria de seus ouvintes.

O efeito moral dessa exibição não poderia ter sido maior.

A Sra. Kane manteve-se de pé sobre o palco; tremendo e possuída de intensos sentimentos, fez a seguinte e extremamente solene abjuração do espiritismo, enquanto a Sra. Catharine Fox Jencken assistia de um camarote vizinho, dando, por sua presença, inteiro assentimento a tudo que a irmã dizia:

Deveis, sem dúvida, saber que tenho sido o principal instrumento em perpetrar a fraude do espiritismo, num público demasiadamente confiante.

O maior sofrimento de minha vida é que essa é a verdade. Embora tenha essa hora chegado tarde, estou agora preparada para dizer a verdade, toda a verdade e nada senão a verdade – a isso Deus me ajude!

Há, provavelmente, muitos aqui presentes que me hão de desprezar por causa do engano a que me tenho entregue; contudo, se soubessem a história verdadeira do meu passado infeliz, a viva agonia, a vergonha que tem sido para mim, haveriam de me lamentar, não reprovar.

A impostura que por tanto tempo mantive, começou na minha tenra meninice, quando, o espírito e o caráter ainda não formados; era incapaz de distinguir entre o bem e o mal.

Quando atingi a maturidade, me arrependi. Tenho vivido anos através de silêncio, timidez, desprezo e amarga adversidade, ocultando, o melhor que pude, a consciência de minha culpabilidade. Agora, graças a Deus e à minha consciência despertada, estou enfim apta a revelar a verdade fatal, a verdade exata dessa hedionda fraude, que tantos corações tem feito mirrar e obscurecido tantas vidas.

Esta noite estou aqui como uma das fundadoras do espiritismo, para denunciá-lo como absoluta falsidade, do princípio ao fim, como a mais frívola das superstições, a mais maldosa blasfêmia do mundo (Os depoimentos aqui transcritos encontram-se na obra de D. Boaventura Kloppenburg: O Espiritismo no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolis, 1960, pp. 426 – 447, onde se encontra também a cópia fac-símile das respectivas páginas dos originais ingleses).

Notemos que, além da explicação por truques, ocorre a explicação pela parapsicologia, quando se trata de fenômenos mediúnicos Em nossos dias pode-se crer que a maioria dos médiuns e freqüentadores do Espiritismo são pessoas sinceras e de boa fé; sem o saber, estão provocando fenômenos parapsicológicos, que elas atribuem à intervenção de espíritos desencarnados.

3. Fator de doenças mentais

A excitação do psiquismo humano provocado pelo exercício da mediunidade não pode deixar de traumatizar a pessoa e tornar-se foco de doenças mentais. Atestam-no grandes médicos do Brasil, habituados a tratar de psicopatologias diversas. Eis alguns de seus depoimentos, colhidos por D. Boaventura Kloppenburg num inquérito realizado em 1953:

Dr. Luis Robalinho Cavalcanti:

Não é aconselhável promover o desenvolvimento das faculdades mediúnicas, desde que se trata de fenômenos psicopatológicos prejudiciais ao indivíduo.

O médium deve ser considerado como uma personalidade anormal, predisposto a enfermidades mentais, ou já portador de psicopatias crônicas ou em evolução.

As práticas mediúnicas são prejudiciais à saúde mental da coletividade, retardando o tratamento dos pacientes, que muitas vezes chegam às mãos do médico com enfermidade já cronificada.

O Espiritismo põe em evidência enfermidades mentais preexistentes e desencadeia reações psicopatológicas em predispostos. .

São convenientes medidas que visem a evitar a prática de atividades médicas e terapêuticas por se tratar de contravenção, proibida pelas leis sanitárias, que só reconhecem ao médico com diploma devidamente registrado nos órgãos competentes o direito de tratar pessoas doentes.

Dr. Francisco Franco:

Provocar fenômenos espíritas é desaconselhável porque danoso para o organismo; o médium toma-se um neurastênico, autômato, visionário, abúlico, antecâmara à esquizofrenia, um indivíduo perigoso para si e a sociedade.

O médium nunca pode ser normal pelas razões expostas acima.

O Espiritismo é uma farsa, portanto nula a sua finalidade.

O Espiritismo está colocado em primeiro lugar como fator de loucura e de outras perturbações patológicas, agindo sobretudo nas mentalidades fracas e particularmente nas sugestionáveis.

O Espiritismo é o maior fator produtor de insanos que perambulam pelas ruas, enquanto grande percentagem enchem os manicômios, casas de saúde, segundo a opinião de abalizados psiquiatras, como Austregésilo, Juliano Moreira, Franco da Rocha, Pacheco e Silva…

Dr. Oswaldo Morais Andrade:

O Espiritismo é prejudicial, principalmente nos meios incultos.

É tese assente em Psiquiatria que o Espiritismo pode agir como fator desencadeante de distúrbios mentais em indivíduos predispostos,

Aprovo uma campanha de esclarecimento da população, contra a prática mediúnica.

Dr. Franco da Rocha:

No livro Esboço de Psychiatria Forense, p. 32, escreve:

A propósito das reuniões espíritas, num trabalho recente escreveram Sollier e Boissier.: Em beneficio da profilaxia seria de conveniência divulgar os acidentes causados pela freqüência às sessões espíritas. Charcot. Forel, Vigoroux, Henneberg e outros publicaram exemplos de pessoas, sobretudo moças, anteriormente sãs, que se tornaram histéreo-epilépticas, em conseqüência de terem tomado parte nas cenas de evocação dos espíritos. E o resultado de automatismo, um exercício metódico para o desdobramento e desagregação da personalidade. Aqui fazem explodir ou agravam a neurose, acolá despertam e sistematizam a tendência à vesânia. que urna vida regular e bem dirigida teria abafado. Tais são os perigos que devem ser conhecidos, mesmo dos que, sem outra convicção, nada mais vêem nesta operação que simples divertimentos de reuniões”.

Dr. Juliano Moreira:

Respondeu nos termos abaixo a um inquérito realizado pelo Dr. João Teixeira Álvares, que publicou as respostas respectivas no livro O Espiritismo (Uberaba 1914), pp. 122-125:

Tenho visto muitos casos de perturbações nervosas e mentais evidentemente despertadas por sessões espíritas. No Hospital Nacional, não raro, vêm ter tais casos.


Até hoje não tive a fortuna de ver um médium, principalmente os chamados videntes, que não fosse neuropata.

Dr. Joaquim Dutra:

Respondeu ao mesmo inquérito:

As práticas espíritas estão incluídas, e com certa proeminência, entre as causas e efeitos das moléstias mentais, influindo diretamente, pelas perturbações emotivas, com um coeficiente avolumado, para a população dos manicômios.

Exageradas, até se tornarem preocupação dominante, elas preparam a loucura, quando não são mesmo uma denúncia da existência de loucura.

Por impressionáveis, tais práticas concorrem para a alucinação, determinando emoções que acarretam perturbações vasomotoras ou que provocam concentração psíquica, estados de abstração, perturbações graves nas funções vegetativas, alterações nas secreções internas, redundando tudo em auto-intoxicação…

Dr. Antonio Austregésilo:

Em resposta ao Dr. João Teixeira Álvares:

O Espiritismo é no Rio de Janeiro uma das causas predisponentes mais comuns de loucura.


Os médiuns devem ser considerados indivíduos neuropatas próximos da histeria.


O Espiritismo é uma neurose provocada pela fácil auto-sugestibilidade, em que há predominância das alucinações psico-sensoriais, sendo não raro histeria ou um estado histeróide.

Tais depoimentos dispensem qualquer comentário. A experiência cotidiana os comprova amplamente.

4. Reencarnação

A reencarnação vem a ser tese arbitrária, para a qual não há fundamento objetivo. Aliás, é tão subjetiva que os espíritas mesmos não concordam entre si a respeito.

Assim, por exemplo, enquanto os espíritas latinos admitem firmemente a reencarnação, os anglo-saxões a rejeitam. E por quê? – Porque os anglo-saxões, movidos por preconceitos racistas, não podem imaginar que voltarão à Terra num corpo de raça negra ou indígena.

Mesmo entre os reencarnacionistas há divergências: alguns dizem que a reencarnação é lei geral, ao passo que outros a admitem apenas para os espíritos mais atrasados ou para os perfeitos, que têm de cumprir alguma missão na Terra. Uns sustentam que o ser humano se reencarna sempre no mesmo sexo, enquanto outros professam variação alternativa de sexo. Uns ensinam que a reencarnação se faz apenas na Terra, enquanto outros admitem que ocorra também em outros planetas. Uns pensam que a reencarnação se dá pouco depois da morte, outros afirmam um intervalo de mil e quinhentos anos precisamente. Uns julgam que a reencarnação é não só progressiva, mas também regressiva, de modo que o indivíduo pode voltar à Terra num corpo animal ou vegetal; outros, ao contrário, dizem que a reencarnação não pode ser regressiva, mas, na pior das hipóteses, é estacionária por algum tempo… É que, na verdade, ninguém sabe o que foi em encarnação anterior.

Esta variedade de sentenças manifesta bem que a doutrina da reencarnação carece de base objetiva; é, antes, um postulado fantasioso dos que a professam. Com efeito; vejamos os argumentos aduzidos pelos reencarnacionistas:

1) Os testemunhos de vida pregressa obtidos em estado de transe hipnótico. – Um estudo apurado dos mesmos revela que nada mais são do que a combinação de impressões colhidas durante esta vida mesma e guardados no inconsciente do sujeito. Este, sugestionado pelo hipnotizador de que viveu uma encarnação anterior, projeta essas impressões em combinação livre, tecendo o enredo de uma vida pregressa!

2) A desigualdade das sortes humanas só se explicaria como conseqüência de atos bons ou maus praticados numa encarnação anterior. – Respondemos que Deus é livre para criar os homens como Ele os quer; a cada qual dá a graça para que se santifique e chegue à vida eterna; às vezes uma pessoa tida como pobre ou doente no plano material e passageiro pode ser extraordinariamente rica e sadia no plano dos valores definitivos. Ademais, segundo os princípios reencarnacionistas, quem atualmente é doente e pobre é um pecador que está expiando pecados da vida passada, ao passo que os ricos e sadios são pessoas virtuosas que estão recebendo o prêmio dos atos bons praticados em encarnação anterior. Ora tais conclusões são absurdas.

3) Os demais fenômenos tidos como provas da reencarnação (o já visto, os gênios, a memória extraordinária…) são facilmente explicados pela parapsicologia como expressões do psiquismo humano.

4) O conceito de inferno… – Muitas vezes a má compreensão do que seja o inferno, leva a rejeitá-lo em favor do reencarnacionismo. Na verdade, o inferno não é tanque de enxofre fumegante atiçado por diabos munidos de tridentes, mas é um estado de alma, no qual o indivíduo se projeta por dizer Não a Deus: após a morte a pessoa que morre consciente e voluntariamente avessa a Deus, é respeitada em sua opção, mas não pode deixar de reconhecer que Deus é o Sumo Bem… e o Sumo Bem que continua a amá-la irreversivelmente. É o fato de que Deus ama uma vez por todas, mas foi conscientemente preterido em favor de bagatelas, que causa o tormento do réprobo. Se Deus desviasse do réprobo o seu amor, ele não sofreria o inferno; mas Deus não pode deixar de amar, porque Ele não se pode contradizer. É precisamente nisto que está o princípio do inferno. Vê-se assim que o inferno, longe de contradizer ao amor de Deus, decorre, de certo modo, da grandeza divina desse amor.

5) O reencarnacionismo atribui ao homem o poder de salvar a si mesmo mediante sucessivas existências na carne, durante ao quais o indivíduo mesmo se aperfeiçoa por seus esforços. Ao contrário, o bom senso e a fé mostram que o homem é, por si só, incapaz de se libertar do pecado e necessita da graça de Deus para se salvar. Somente numa perspectiva panteísta (ver n° 5, a seguir) é que se pode admitir a auto-salvação do homem (pois no caso ele é parcela da Divindade); contudo numa perspectiva monoteísta, segundo a qual Deus é distinto do mundo e do homem, é lógico que o homem, limitado e falho como é, necessita de Deus para se auto-realizar plenamente.

5. Panteísmo

O Espiritismo, seja o kardecista, seja o afro-brasileiro, parece dar menos importância a Deus do que aos espíritos desencarnados. O culto espírita versa geralmente sobre a comunicação com os mortos.

Quando tratam de Deus, vários autores espíritas professam o panteísmo, ou seja, a identificação de Deus com o mundo e o homem. Ora tal conceito é ilógico e aberrante, pois Deus, por definição, é o Absoluto e Eterno, ao passo que toda criatura é relativa, contingente e temporária.

Eis alguns testemunhos significativos:

Leão Denis: Deus é a grande alma universal, de que toda alma humana é uma centelha, uma irradiação. Cada um de nós possui em estado latente forças emanadas do divino Foco (Cristianismo e Espiritismo, 5a. edição, p. 24).

Leão Denis: O Ser Supremo não existe fora do mundo, porque é sua parte integrante e essencial (Depois da morte, 6a. edição, p. 6).

O escritor espírita Rangel Veloso diz ter ouvido a seguinte declaração num Centro Espírita:

Deus é como uma folha de papel, rasgadinha em milhões, bilhões e não sei quantas mais divisões. Lançados esses pedacinhos de papel no Universo, cada pedacinho de papel representa um homem e um ser existente; todos reunidos, formando o todo, é Deus (Pseudo-sábios ou Falsos Profetas, 1947, p. 34).

O 1° Congresso de Espiritismo de Umbanda adotou unanimemente a conclusão n° 5:

A filosofia (de Umbanda) consiste no reconhecimento do ser humano como partícula da Divindade; dela emana límpida e pura, e nela firmemente se reintegra ao fim do necessário ciclo evolutivo no mesmo estado de limpidez e pureza, conquistado pelo seu próprio esforço e vontade.

(Textos colhidos no opúsculo de Frei Boaventura Kloppenburg: Por que a Igreja condenou o Espiritismo, 2a. edição, Petrópolis 1954, p. 29).

6. Fora da Caridade não há Salvação

O Espiritismo apregoa em alta voz a prática da caridade, sem a qual não há salvação. – Tem razão em afirmar a importância da caridade. Todavia os espíritas chegam a relativizar a verdade, como se esta fosse algo de secundário, que não se teria de levar em consideração. – Ora observamos que o ser humano foi feito para apreender a verdade com a sua inteligência e praticar o bem e o amor em seu comportamento. Por isto não se pode dizer que basta a caridade para a salvação eterna. Em nome da caridade mal entendida (ou mal iluminada pela razão e a fé), podem-se cometer autênticas aberrações; a caridade desorientada pode tornar-se mero rótulo que dê aparência legitima ao egoísmo e à exploração do próximo. – De resto, a prática da caridade não é apanágio do Espiritismo, pois a Igreja Católica durante toda a sua história (portanto já muito antes de Allan Kardec) sempre se empenhou pela sorte dos carentes tanto de corpo como de alma; muitos e muitos Santos foram e são verdadeiros heróis do serviço ao próximo.

7. A Bíblia rejeita

Para quem é cristão, o texto bíblico tem valor de guia fundamental. Ora a Bíblia condena eloqüentemente a evocação dos mortos:

Lv 19,31Não vos voltareis para os necromantes nem consultareis os adivinhos, pois eles vos contaminariam.

Lv 20,6: Aquele que recorrer aos necromantes e aos adivinhos para se prostituir com eles, voltar-me-ei contra esse homem e o exterminarei do meio do seu povo.

Lv 20,27O homem ou a mulher que, entre vós, for necromante ou adivinho, será morto, será apedrejado, e o seu sangue cairá sobre ele ou ela.

Dt 18,10-14Que em teu meio não se encontre alguém que queime seu filho ou sua filha, nem que faça presságio, oráculo, adivinhação ou magia, ou que pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou adivinhos, ou ainda que invoque os mortos; pois quem pratica essas coisas é abominável a Javé, e é por causa dessas abominações que Javé teu Deus desalojará nações em teu favor… Eis que as nações que vais conquistar ouvem oráculos e adivinhos. Quanto a ti, isso não te é permitido por Javé teu Deus. Ver ainda 2Rs 17,17, Is 8, 19s.

A proibição se deve não à suposição de que os mortos sejam incomodados pelos vivos, mas ao fato de que não há receita que garanta a comunicação entre vivos e mortos. A necromancia é superstição. A oração que os cristãos dirigem aos Santos, não se baseia em fórmulas ou receitas mágicas, mas unicamente na convicção de que Deus quer conservar a comunhão entre os membros do Corpo Místico de Cristo; por isto Ele faz que os justos no céu tomem conhecimento das preces despretensiosas que lhes dirigimos na Terra e, em conseqüência, intercedam por nós.

Quanto ao caso de Saul, que evocou Samuel mediante a pitonisa de Endor e foi atendido (cf. l Sm 28,5-15), não é paradigma, pois diz a própria Bíblia que Saul foi condenado por causa disso (cf. 1Cr 10,3). Deus permitiu que Saul recebesse de Samuel, naquele momento, a advertência de que estava no fim sua vida terrestre e no dia seguinte ia morrer; foi por causa da importância solene daquela hora que Deus permitiu a resposta de Samuel; ela não foi provocada pela arte da adivinha; esta apenas forneceu a ocasião ou as circunstâncias da manifestação de Samuel.

 

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Eis por que não sou, nem posso ser, espírita. Religião não é apenas emoção e sentimento, mas é culto de Deus e serviço aos homens, sempre iluminado pelas luzes da razão e da fé na Palavra de Deus. O que muito atrai as pessoas ao Espiritismo, é a capacidade que este tem de suscitar afetos e emoções diversas, muitas vezes desligadas de senso lógico e espírito critico. Ora quem permite que os sentimentos preponderem sobre o raciocínio, arrisca-se a cometer graves erros doutrinários e prejudicar sua saúde psíquica… principalmente quando se trata de religião, que é um dos fatores mais aptos a impressionar o ser humano

 

 

Dom Estêvão Bettencourt (OSB)