O GUIA CATÓLICO DE AUTODEFESA
Imagine que você está procurando uma vaga para estacionar em um shopping, em um fim de semana movimentado. Você finalmente encontra alguém saindo de um lugar e, uma vez vazio, você entra nele. Mas como há muito trânsito, você não viu outro motorista que já estava esperando pelo mesmo local, há 5 minutos. Você ocupou o lugar do outro motorista e não sabia.
Quando você e sua família descem do carro, o motorista salta do seu carro furioso, gritando ofensas. Ele está bem furioso e parece que pode causar sérios danos a você ou sua família. Você tenta acalmá-lo e explica que não o viu, mas nada funciona. Por fim, ele puxa uma faca e começa a brandi-la agressivamente, enquanto se aproxima de você. Sua família está apavorada. O que você faz?
A LEGÍTIMA DEFESA É SEMPRE JUSTIFICADA?
Espero que a situação acima nunca aconteça com nenhum de nós, mas este e outros cenários semelhantes, acontecem o tempo todo, no mundo todo. Como homens católicos, estamos justificados em defender a nós mesmos e nossas famílias? Ou devemos humildemente oferecer a outra face, aconteça o que acontecer?
A resposta curta é SIM, legítima defesa é justificada. Os Doutores da Igreja e do Magistério, deixaram claro que a legítima defesa não é apenas um direito, mas em alguns casos, um dever.
No Catecismo, são apresentadas as diretrizes para quando exatamente a legítima defesa é legítima. Vamos dar uma olhada no que tem a nos orientar.
Em primeiro lugar, o Catecismo deixa claro que matar um ser humano é sempre uma questão grave e nunca deve ser encarado de forma leviana ou natural. Obviamente, não devemos nos tornar vigilantes ou juízes, que saímos matando qualquer um, que nos dê um olhar de reprovação (2261-2262). O Catecismo continua explicando que o princípio fundamental da moralidade é o amor e a preservação de si mesmo.
O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal: «Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito […]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal ato de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia». (2264)
Em outras palavras, amar o próximo não significa nada se você não amar primeiro a si mesmo de maneira ordenada. Afinal, Jesus disse: “Ame o seu próximo como a si mesmo – S. Mateus 22,39”. O instinto de autopreservação baseia-se no fato de que a vida é um bem que nos foi dado por Deus. Temos o dever intrínseco e fundamental de viver. Portanto, também temos o direito de nos defender.
Mas e quanto a defender aos outros? Temos o direito de fazer isso também? Absolutamente. Na verdade, defender o inocente não é apenas um direito, é um dever. Temos a capacidade de dar a nossa própria vida por um bem maior (como fizeram Jesus e os mártires da Igreja), mas nunca temos o direito de dar a vida dos outros. Posso entregar minha própria vida, mas nunca posso entregar sua vida. O Catecismo deixa isso claro:
A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por esta razão que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade. (2265)
Embora este parágrafo se refira especificamente à defesa da comunidade civil, também se aplica à família. Se alguém representa um claro perigo para a vida de sua esposa e filhos, você tem o dever, e o direito, de fazer o que for necessário para torná-lo inofensivo, mesmo que isso signifique matá-lo. E isso nos leva ao próximo ponto.
FORÇA LETAL
Agora que estabelecemos que a legítima defesa é, de fato, justificada, surge a questão da força letal. Podemos justificadamente matar um agressor? Há, certamente, um número de excelentes católicos com uma inclinação pacifista, que diriam não – nunca é justificável. Apesar dos sentimentos desses católicos bem-intencionados, a resposta dada pela Igreja é sim, a força letal pode ser justificada.
Mas, antes de examinarmos o que justifica matar outro ser humano, deixe-me primeiro dizer que a Igreja é, sempre foi e sempre será, a defensora do bom senso. A Igreja defende a sanidade em épocas que o mundo enlouquece, e essa sanidade se aplica a todas as áreas da vida, incluindo a autodefesa.
O que queremos dizer? Peguemos o testemunho de um homem que é segurança particular: “Sou um ex-membro de uma agência de aplicação da lei em todo o Estado, e recebi muito do mesmo treinamento exigido para policiais. O que me impressiona é como os padrões para o uso de força letal apresentados aos policiais são semelhantes aos apresentados no Catecismo. Você pode confiar na sabedoria da Igreja, pessoal”.
O Catecismo explica que a força letal pode ser justificada se não houver outra escolha. Matar deve ser o último recurso, no entanto, depois de tudo o mais ter sido tentado. Eis o que diz o Catecismo, citando São Tomás de Aquino:
«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito [...]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal ato de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia». (2264)
São Tomás, citado pelo Catecismo, está basicamente dizendo: Não atire em alguém por roubar sua carteira. Isso é violência desnecessária. Mas, se alguém puxou uma faca para você e, ao que parece, está disposto a usá-la, você pode responder com a mesma força. Responder à força com a mesma força é moderação em autodefesa.
A ideia de moderação no uso da força é muito semelhante ao “uso contínuo da força” usado pelos policiais. Embora os detalhes desse continuum, estejam além do pretendido neste post, podemos resumir à máxima: não atire em alguém, a menos que você não tenha outra escolha. Se sua vida - ou a vida de outra pessoa - estiver em perigo iminente, você tem o direito de usar força letal. Se houver qualquer possibilidade de qualquer outra coisa funcionar (comandos verbais, combate físico, spray de pimenta, etc.), você tem a obrigação de tentar isso primeiro, caso contrário será um pecado direto e mortal.
Conclusão
Os princípios orientadores estabelecidos pela Igreja, podem ser resumidos da seguinte forma:
- Temos um direito legítimo de autodefesa com base no amor-próprio corretamente ordenado;
- Temos o dever de proteger aqueles que estão sob nossos cuidados, como nossas famílias;
- A força deve ser usada com moderação. A força deve ser enfrentada com a mesma força;
- Tirar uma vida humana em legítima defesa, deve ser o último recurso, quando todas as outras opções tiverem sido esgotadas;
A autodefesa pode ser uma questão complicada, especialmente quando qualquer força letal esteja envolvida. Situações de vida e morte, envolvem decisões em frações de segundos, que podem matar alguém e alterar o curso de sua vida. Nunca, jamais, uma vida humana deve ser tirada de forma descuidada ou leviana.
Concluiremos com uma citação da Carta Encíclica do Papa João Paulo II, Evangelium Vitae , sobre a tensão entre o respeito pela vida humana, a obediência ao 5º mandamento e a legítima defesa. Que resume perfeitamente a questão.
55. Não há de que se maravilhar! Matar o ser humano, no qual está presente a imagem de Deus, é pecado de particular gravidade. Só Deus é dono da vida! No entanto, frente aos múltiplos casos, frequentemente dramáticos, que a vida individual e social apresenta, a reflexão dos crentes procurou sempre alcançar um conhecimento mais completo e profundo daquilo que o mandamento de Deus proíbe e prescreve. Com efeito, há situações onde os valores propostos pela Lei de Deus parecem formar um verdadeiro paradoxo. É o caso, por exemplo, da legítima defesa, onde o direito de proteger a própria vida e o dever de não lesar a alheia se revelam, na prática, dificilmente conciliáveis. Sem dúvida que o valor intrínseco da vida e o dever de dedicar um amor a si mesmo não menor que aos outros, fundam um verdadeiro direito à própria defesa. O próprio preceito que manda amar os outros, enunciado no Antigo Testamento e confirmado por Jesus, supõe o amor a si mesmo como termo de comparação: « Amarás o teu próximo como a ti mesmo » (S. Marcos 12, 31). Portanto, ninguém poderia renunciar ao direito de se defender por carência de amor à vida ou a si mesmo, mas apenas em virtude de um amor heroico que, na linha do espírito das bem-aventuranças evangélicas (S. Mateus 5, 38- 48), aprofunde o amor a si mesmo, transfigurando-o naquela oblação radical cujo exemplo mais sublime é o próprio Senhor Jesus.
Por outro lado, « a legítima defesa pode ser, não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outrem, do bem comum da família ou da sociedade ». Acontece, infelizmente, que a necessidade de colocar o agressor em condições de não molestar implique, às vezes, a sua eliminação. Nesta hipótese, o desfecho mortal há-de ser atribuído ao próprio agressor que a tal se expôs com a sua ação, inclusive no caso em que ele não fosse moralmente responsável por falta do uso da razão.
Qual é a sua opinião sobre legítima defesa? Você saberia como defender a si mesmo ou a sua família se fosse necessário?
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