A "descida ao inferno" é uma doutrina dentro da teologia cristã, afirmada no Credo dos Apóstolos, que afirma que Jesus Cristo desceu ao reino dos mortos após sua crucificação. Essa doutrina é entendida de várias maneiras, mas a teologia católica oferece uma compreensão específica:
Pontos-chave da teologia
Reino dos mortos: Jesus, como todos os humanos, experimentou a morte e, em sua alma, uniu-se a outros no reino dos mortos. As Escrituras se referem a essa morada como "os infernos" (Sheol em hebraico ou Hades em grego), significando a privação da visão de Deus.
Não o Inferno dos Condenados: Cristo não desceu ao inferno dos condenados. Em vez disso, ele foi ao reino daqueles que morreram antes dele, tanto justos quanto maus, que aguardavam o Redentor.
Libertação dos Justos: Cristo desceu para libertar as almas justas que estavam no "seio de Abraão", aguardando seu Salvador. Ele abriu as portas do céu para elas.
Proclamação da Boa Nova: Jesus desceu como Salvador, proclamando a Boa Nova aos espíritos ali aprisionados.
Triunfo sobre a Morte: Por meio de sua morte e descida, Cristo venceu a morte e o diabo, que tinha o poder da morte. Sua cruz escancarou as portas da morte.
Conclusão da Encarnação: A descida de Cristo ao inferno completa a jornada da Encarnação, ao apertar a mão de Adão e de todos aqueles que o aguardavam, trazendo-os à luz.
Propósito e Significado
Salvação Universal: A descida ao inferno completa a salvação do mundo inteiro.
Manifestar o poder redentor de Cristo até os confins da existência humana: nem mesmo os mortos estão fora do alcance da salvação. Abrir as portas do Céu aos justos do Antigo Testamento, como Abraão, Moisés, Davi, os profetas, etc. Triunfar sobre a morte e o pecado, iniciando o tempo novo da ressurreição.
Cumprimento da Profecia: Este evento cumpre profecias e demonstra o poder de Cristo sobre a morte.
Manifestação como Salvador: Cristo se manifestou como o Salvador tanto dos vivos quanto dos mortos.
Em resumo, a teologia da descida aos infernos ensina que Jesus Cristo, após sua morte, desceu ao reino dos mortos, não para sofrer castigo, mas para libertar os justos que aguardavam seu Redentor e proclamar a Boa Nova, completando assim sua obra de salvação para toda a humanidade.
Fundamento Bíblico e Patrístico
Embora o Novo Testamento não narre diretamente o que Jesus fez entre a morte e a ressurreição, há algumas passagens que servem de base:
1 Pedro 3,18-20: “Cristo padeceu uma vez pelos pecados [...] foi vivificado pelo Espírito, no qual também foi pregar aos espíritos aprisionados.”
Efésios 4,9-10: “Ora, que significa ‘subiu’, senão que também havia descido às regiões inferiores da terra?”
Os Padres da Igreja, como Santo Irineu, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, ensinaram que Jesus desceu ao “Sheol” (em hebraico) ou “Hades” (em grego), o lugar dos mortos, onde os justos aguardavam a redenção.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC):
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§631:
"Jesus desceu à região dos mortos para que os mortos ouvissem a voz do Filho de Deus e os que a ouvissem vivessem." -
§633:
"A Escritura chama de infernos, o lugar da espera dos mortos, onde Jesus Cristo desceu. Ele não desceu para libertar os condenados, mas para libertar os justos que o haviam precedido."
Implicações Teológicas e Espirituais
Cristo é Senhor da vida e da morte. Ao descer à mansão dos mortos, Ele demonstra que nenhuma alma está esquecida por Deus. Revela que a salvação é universal no sentido de que todos são chamados a participar dela – inclusive os que viveram antes de Cristo. Nos lembra que a esperança cristã transcende até mesmo a morte.
Expressões na Arte e na Liturgia
A Liturgia do Sábado Santo vive esse mistério em silêncio e espera. Nesse dia, celebramos a descida de Cristo à mansão dos mortos como o início da vitória. Ícones da tradição oriental mostram Cristo rompendo os portões do Hades e erguendo Adão e Eva pela mão — um símbolo da nova criação.
Leitura de uma antiga Homilia no grande Sábado Santo (século IV)
Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos. Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos. O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!’
Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa. Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado. Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti. Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade”.
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