sexta-feira, 24 de março de 2023

OS NOVÍSSIMOS

OS NOVÍSSIMOS

 1.    O QUE SÃO

Alguns padres explicam que a palavra ‘novíssimos’ vem da novidade que Deus preparou para nós: Esse novo céu, essa nova terra, a Nova Jerusalém, no final dos tempos. Trata-se de um conceito sobre a morte, o juízo particular, o purgatório, céu ou inferno e as realidades últimas da humanidade. Segundo padre Henrique, o termo ‘novíssimos’ aparece neste contexto escatológico inspirado nas passagens bíblicas de Isaías e de Apocalipse.

Os artigos finais do Símbolo apostólico falam-nos dos chamados “novíssimos” do homem. Derivado do adjetivo latino novum, o termo é um aportuguesamento do superlativo novissimum, que significa o mesmo que “último” ou “final” em alguma ordem de coisas.

No sentido em que aqui nos interessa, a expressão “novíssimos” refere-se às realidades últimas que, a partir da morte, estão à espera de todo ser humano: “Em tudo o que fizeres”, diz o Eclesiástico, “lembra-te dos teus novíssimos”, isto é, do teu fim, “e jamais pecarás” (Eclo 7, 40).

Embora se possam listar de maneiras muito diversas, os novíssimos, segundo a doutrina tradicional e comum, se reduzem às oito seguintes realidades:

1)    Morte;

2)    Juízo particular;

3)    Céu;

4)    Inferno;

5)    Purgatório;

6)    Fim do mundo;

7)    Ressurreição da Carne;

8)    Juízo Final.

Neste artigo, veremos apenas o primeiro, deixando para a sequência, os próximos tópicos.

1)    A MORTE

No CIC

413. «Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele se alegra por os vivos se perderem [...]. A morte entrou no mundo pela inveja do Diabo» (Sb 1, 13; 2, 24).


O SENTIDO DA MORTE CRISTÃ

1010. Graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo. «Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro» (Fl 1, 21). «É digna de fé esta palavra: se tivermos morrido com Cristo, também com Ele viveremos» (2 Tm 2, 11). A novidade essencial da morte cristã está nisto: pelo Baptismo, o cristão já «morreu com Cristo» sacramentalmente para viver uma vida nova; se morremos na graça de Cristo, a morte física consuma este «morrer com Cristo» e completa assim a nossa incorporação n'Ele, no seu ato redentor: «É bom para mim morrer em (eis) Cristo Jesus, mais do que reinar dum extremo ao outro da terra. É a Ele que eu procuro, Ele que morreu por nós: é a Ele que eu quero, Ele que ressuscitou para nós. Estou prestes a nascer [...]. Deixai-me receber a luz pura: quando lá tiver chegado, serei um homem» (591).

1011. Na morte, Deus chama o homem a Si. É por isso que o cristão pode experimentar, em relação à morte, um desejo semelhante ao de S. Paulo: «Desejaria partir e estar com Cristo» (Fl 1, 23). E pode transformar a sua própria morte num acto de obediência e amor para com o Pai, a exemplo de Cristo (592): «O meu desejo terreno foi crucificado: [...] há em mim uma água viva que dentro de mim murmura e diz: "Vem para o Pai"» (593). «Ansiosa por ver-te, desejo morrer» (594). «Eu não morro, entro na vida» (595).

1012. A visão cristã da morte (596) é expressa de modo privilegiado na liturgia da Igreja: «Para os que crêem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma: e, desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna» (597).

1013. A morte é o fim da peregrinação terrena do homem, do tempo de graça e misericórdia que Deus lhe oferece para realizar a sua vida terrena segundo o plano divino e para decidir o seu destino último. Quando acabar «a nossa vida sobre a terra, que é só uma» (598), não voltaremos a outras vidas terrenas. «Os homens morrem uma só vez» (Heb 9, 27). Não existe «reencarnação» depois da morte.

1014. A Igreja exorta-nos a prepararmo-nos para a hora da nossa morte («Duma morte repentina e imprevista, livrai-nos, Senhor»: antiga Ladainha dos Santos), a pedirmos à Mãe de Deus que rogue por nós «na hora da nossa morte» (Oração da Ave-Maria) e a confiarmo-nos a S. José, padroeiro da boa morte: «Em todos os teus actos em todos os teus pensamentos, havias de te comportar como se devesses morrer hoje. Se tivesses boa consciência, não terias grande receio da morte. Mais vale acautelares-te do pecado do que fugir da morte. Se hoje não estás preparado, como o estarás amanhã?» (599). «Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a morte corporal, à qual nenhum homem vivo pode escapar. Ai daqueles que morrem em pecado mortal: Bem-aventurados os que ela encontrar a cumprir as tuas santíssimas vontades, porque a segunda morte não lhes fará mal» (600).


ARTIGO 12

«CREIO NA VIDA ETERNA»

1020. O cristão, que une a sua própria morte à de Jesus, encara a morte como chegada até junto d'Ele, como entrada na vida eterna. A Igreja, depois de, pela última vez, ter pronunciado sobre o cristão moribundo as palavras de perdão da absolvição de Cristo e de, pela última vez, o ter marcado com uma unção fortificante e lhe ter dado Cristo, no Viático, como alimento para a viagem, fala-lhe com estas doces e confiantes palavras: «Parte deste mundo, alma cristã, em nome de Deus Pai omnipotente, que te criou, em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, que por ti sofreu, em nome do Espírito Santo, que sobre ti desceu; chegues hoje ao lugar da paz e a tua morada seja no céu, junto de Deus, na companhia da Virgem Maria. Mãe de Deus, de São José e de todos os Anjos e Santos de Deus [...]. Confio-te ao Criador para que voltes Àquele que te formou do pó da terra. Venham ao encontro de ti, que estás a partir desta vida, Santa Maria, os Anjos e todos os Santos [...]. Vejas o teu Redentor face a face e gozes da contemplação de Deus pelos séculos dos séculos» (605).

2.    COMO SE PREPARAR PARA A ETERNIDADE AO LADO DE DEUS

 Deus não castiga por um vingativo “sadismo” nem impõe penas indevidas. Na verdade, até ao punir e aplicar sua justiça manifesta Ele sua infinita misericórdia, não só porque se dispõe a castigar aquém do que merecemos, mas porque inclusive as penas que inflige são um sinal de sua bondade.

A morte, nesse sentido, embora tenha uma caráter fundamentalmente penal, é também um grande consolo para o homem, que encontra nela um remédio contra a soberba que se lhe apoderou do coração e uma forma de libertar-se um dia das tristezas e misérias deste mundo decaído e transitório. A morte, por conseguinte, é um castigo medicinal, e não um mal absoluto.

Donde se vê qual deve ser a atitude cristã diante da morte: temos de refletir diariamente sobre ela, a fim de nos desapegarmos das criaturas, voltarmos o nosso coração para Deus e preparamos de forma digna e conveniente o nosso encontro definitivo com Cristo. A morte, sem se tornar uma obsessão, deve contudo estar sempre presente aos nossos pensamentos, pois será o momento mais importante e decisivo de toda a nossa caminhada nesta terra. Com ela, termina o tempo de prova, acabam-se as chances tanto de merecer quanto de arrepender-se. Ao desprender-se do corpo, a alma entra para todo o sempre, no mesmo estado em que se encontrava quando do último suspiro, na eternidade que a aguarda.

É por isso que precisamos pedir a graça de morrermos preparados, com preparação próxima e remota: remota, pela constância em uma vida cristã sincera e fervorosa, marcada pela fidelidade à graça, à amizade com Deus e à observância dos Mandamentos; próxima, pelo privilégio inestimável de ser confortado na hora final com os santos sacramentos, recebidos digna e frutuosamente, e com a doce presença do nosso anjo da guarda, da Virgem Maria e de S. José, auxílio dos moribundos.

Por isso é importantíssima a assistência àquelas pessoas que estão “aparentemente” próximas do seu momento final, a fim de prepará-las conscientemente para uma opção última e decisiva com relação ao seu destino eterno.

Mas esta orientação também diz respeito a todos os demais que gozam de perfeita saúde, pois nós não sabemos nem o dia, nem a hora em que seremos convidados à presença do Pai. É importante estarmos diariamente nos preparando para este encontro tão importante.

Diz Santo Ambrósio que morrem felizmente aqueles que ao morrer já estão mortos para o mundo, ou seja, desprendidos dos bens que por força então hão de deixar. Por isso, é necessário que desde já aceitemos o abandono de nossa fazenda, a separação de nossos parentes e de todos os bens terrenos. Se não o fizermos voluntariamente durante a vida, forçosa e necessariamente o teremos de fazer na morte, com a diferença de que então não será sem grande dor e grave perigo de nossa salvação eterna. Adverte-nos, neste propósito, Santo Agostinho, que constitui grande alívio, para morrer tranquilo, regular em vida os interesses temporais, fazendo previamente as disposições relativas aos bens que temos de deixar, a fim de que na hora derradeira somente pensemos em nossa união com Deus. Convirá então só ocupar-se das coisas de Deus e da glória, pois são demasiadamente preciosos os últimos momentos da vida para dissipá-los em assuntos terrenos. No transe da morte se completa e se aperfeiçoa a coroa dos justos, porque é então que se recolhe a melhor soma de méritos, abraçando as dores e a própria morte com resignação ou amor.

Mas não poderá ter na morte estes bons sentimentos quem neles não se exercitou durante a vida. Para este fim alguns fiéis praticam, com grande aproveitamento, a devoção de renovar em cada mês o protesto da morte, com todos os atos em tal transe próprios de um cristão, e isto depois de receber os sacramentos da confissão e comunhão, imaginando que se acham moribundos e a ponto de sair desta vida.

O que se não faz na vida, difícil é fazê-lo na morte. A grande serva de Deus, irmã Catarina de Santo Alberto, filha de Santa Teresa, suspirava na hora da morte, exclamando:

“Não suspiro, minhas irmãs, por temor à morte, pois há vinte e cinco anos que a espero; suspiro porque vejo tantos pecadores iludidos que esperam para reconciliar-se com Deus até à hora da morte, quando apenas poderão pronunciar o nome de Jesus”.

Examina, pois, meu irmão, se teu coração tem apego a qualquer coisa da terra, a determinadas pessoas, honras, riquezas, casa, sociedade ou diversões, e considera que não hás de viver aqui eternamente.

Virá o dia, talvez próximo, em que deverás deixar tudo. Por que, neste caso, manter o afeto nessas coisas, correndo risco de ter morte inquieta?…

Oferece-te, desde já, por completo a Deus, que pode, quando lhe aprouver, privar-te desses bens. Quem quiser morrer resignado, há de ter resignação desde agora em todos os acidentes contrários que lhe possam suceder; e há de afastar de si os afetos às coisas da terra. — Afigura-te que vais morrer — diz São Jerônimo — e facilmente conseguirás desprezar tudo.

Se ainda não escolheste estado de vida, toma aquele que na hora da morte quererias ter escolhido e que possa proporcionar-te um trânsito mais consolador à eternidade. Se já tens um estado, faze tudo que ao morrer quiseras ter feito nesse estado. Procede como se cada dia fosse o último da vida, cada ação a derradeira que praticas; a última oração, a última confissão, a última comunhão. Imagina que estás moribundo, estendido sobre o leito, e que ouves aquelas palavras imperiosas: Sai deste mundo. Quanto estes pensamentos nos podem ajudar a caminhar bem e a menosprezar as coisas mundanas!

 

Bem-aventurado aquele servo, a quem o seu senhor, quando vier, achar procedendo assim” (Mt 24,46).

 

Aquele que esa toda hora a morte, ainda que esta venha subitamente, não pode deixar de morrer bem.

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